Eu soube que não seria fácil
A escritora Rafaela Carvalho falou em 60 dias de neblina. No meu caso, foram dois anos. Dois anos tateando em meio a uma neblina que, de tão espessa, só me deixava ver aquela menininha aninhada em meus braços.
Tecnicamente, essa neblina é o puerpério, período que sucede o nascimento do bebê. Tecnicamente, tem a ver com desequilíbrio hormonal, esvaziamento do útero e descida do leite, resultando em baby blues ou depressão pós-parto.
Mas nenhum “tecnicamente” te avisa sobre como será sua neblina. Ela vai existir, pode apostar. É impossível colocar um filho no mundo e sair vendo a vida com a mesma clareza de antes.
Eu soube que não seria fácil quando chorei por não querer ir embora da maternidade. Eu queria ficar sob os cuidados das enfermeiras que faziam tudo parecer simples, e onde, certamente, eu era uma ótima mãe.
Eu soube que não seria fácil quando uma vizinha me alertou para não colocar a bebê de barriga para cima, pois ela poderia se engasgar. Eu sabia que dormir de barriga para cima era o mais seguro, mas um único comentário levou embora toda minha confiança.
– Nunca, absolutamente nunca fale isso para uma recém mãe! Ela sabe melhor do que ninguém como cuidar do bebê, mas, mesmo assim, está paralisada de medo –
Eu soube que não seria fácil quando meus pais me perguntaram se eu não estava feliz. Não, eu não estava feliz. Eu estava perdida.
– Veja bem, ausência de felicidade e plenitude, no pós-parto ou em qualquer momento da vida de uma mãe, não significa que ela não ame seu filho. Nunca, absolutamente nunca duvide do amor de uma mãe –
Eu soube que não seria fácil quando me dei conta de que era amor, e era por outro alguém.
Até que, dois anos depois, a neblina se dissipou. Eu comecei a enxergar além da menininha agarrada às minhas pernas. Criei espaço para acomodar todo aquele amor, sem que eu precisasse me espremer pelos cantos. Passamos a conviver confortavelmente: eu, meu amor por ela, meu amor por mim.
*Luciana Godoi é mineira, advogada, casada com o Caio e mãe da Flora. Apaixonada pela escrita desde sempre, cursou Direito para convencer por meio de palavras. Quando sua filha nasceu, ela se autoconheceu e situou a escrita como vocação, passando a usar as palavras para acolher e inspirar.