Cansei de ser sarada
Quinze anos, três meses e dez dias na academia, quase que diariamente, puxando ferro. É uma vida. Calcule o peso que carreguei esse tempo todo. Dava pra lotar muito caminhão com pedra. O corpo que me molda aos 46 foi disciplinado. Mas quer mesmo saber? Cansei de ser sarada.
Em nome dos músculos, peguei toda onda que aparecia. Na da barriga negativa, sumiu a barriga e tudo junto. Fiquei tão magra que perguntavam se eu estava doente. Sabe aquela chata da dieta que todo mundo pede pizza, menos eu?
Uma salada, por favor!
Comi clara de ovo até não aguentar mais, me empanturrei de peito de frango com batata doce. Atum, eu tomei birra. Pra quê? Vamos combinar que já deixou de ser só saúde faz tempo?
É pra ser sincera? Pra sentir os olhares masculinos no meu corpo e ser invejada pelas mulheres. Também pra me sentir bem… bem prisioneira de uma prisão criada por mim mesma.
Peguei a chave escondida no bolso e abri a porta de saída da academia. No meu caso, mais difícil do que entrar, foi sair. Três meses que deixei de bater o ponto lá. Me ligaram pra saber se adoeci.
Sim, eu estava doente. Passei pelo menos os últimos cinco anos obcecada com meu corpo.
Cuidar do corpo é diferente de viver escrava dele. Tão óbvio, mas não. O meu rigoroso controle está só do outro lado da balança daquele que é descontrolado. No fundo, é o mesmo destempero.
Pra fugir do subsolo da academia, me descobri uma amadora da canoa havaiana. Amadora de amar o que faz. Eu não tenho que remar, eu remo porque gosto. A partir de agora, quero mais disso. Se eu “tenho que” fazer alguma coisa, eu paro pra pensar. Eu tenho mesmo? Não, eu não tenho que ter um corpo de 20 quando chegar aos 50.
Na altura do campeonato, vou me permitir. Ao invés da balança, eu posso me balancear pra que meu corpo me leve bem até o fim da vida. Nem abandoná-lo à própria sorte, nem fazer dele um templo da perfeição, Cansei de ser sarada, agora eu só quero me sarar. Agora eu só sou. E já é muito.