Cansada sim, mas com brilho
Eis-me aqui, oficialmente velha. Me decretaram com a vista cansada. Adiei a execução da sentença por pura vaidade. Não queria me ver dependente dos óculos. Pior ainda seria continuar dependente de óculos alheios pra ler um simples cardápio. Pensei em arrumar uma lupa… Ei, enxerga! Quando vai ver a realidade?
Ponho fim à ilusão de ótica e avisto minha real idade. Quarenta e seis, um grau e meio de presbiopia. Posso não estar vendo tão de perto, mas, por trás dessas lentes, existe um brilho que há muito vinha fosco. Essa luz voltou pros olhos por uma capacidade que só o passar do tempo ajuda a trazer: a capacidade de olhar pra dentro.
Como eu não via isso antes? Via, mas não queria e nem conseguia enxergar. Não tinha idade…
A maturidade me faz o convite de enxergar com novas lentes. E o convite não é só pra mim. A idade chega pra quem vive. Eu poderia simplesmente ir até o fim da vida sem querer ajustar o foco. Porque nem sempre a imagem conforta. Eu tenho a opção de não querer ver o que a vida quer me mostrar e tudo bem. Mas eu vi o sentido de enxergar.
Ver além do visível, com um olhar ao mesmo tempo crítico e acolhedor voltado pra mim. Um olhar de escuta. Se eu me enxergo, permito igualmente me ouvir. Me olho e escuto em profundidade quando algo ou alguém começam a incomodar. O que essa situação ou essa pessoa querem dizer sobre mim mesma?
O envelhecimento vem fazendo essa metamorfose com meus sentidos e despertando o que preciso na nova fase da vida. Tudo bem que a vista está cansada e que os músculos já não respondem tão bem, mas estou com uma vontade, um calor imenso (será que a menopausa é isso?) de colocar minha ação no mundo. De renovar, criar, de fazer algo que faça sentido não só pra mim. Um querer que me alinha com minha tarefa nessa vida.
Quando comecei a escrever para o Vida de Adulto, estava em completa desconstrução, tinha derrubado quase tudo. Hoje me sinto em obras, construindo. Suja de pó, ainda sem ideia de quando a construção vai ficar pronta, mas vendo as paredes subirem. Do velho faço o novo. Cansada sim, mas com brilho.