Minha bolha
Semana passada me peguei questionando à Farinha, a caçula canina lá de casa, o porquê dela estar chorando: “Calma, Farinha, você não tem motivos pra reclamar. Tem casa confortável , comida boa e donos que te amam”.
Farinha me lançou um olhar irônico, como quem queria dizer que eu também tinha tudo aquilo e vinha chorando todos os dias. De fato, neste período de covid, lágrimas tem sido “o meu novo normal”.
Acho até bonito quando alguém diz que a humanidade vai sair melhor dessa. Desculpe a franqueza pessimista, mas acho que nem Pollyanna jogaria esse jogo do contente de forma tão ingênua.
Em tempos de pandemia, cada um está preocupado com sua angústia, com sua dor. Pouco são os que estão olhando para fora.
Digo por mim: qual foi a contribuição que dei ao mundo para que eu tivesse o direito de encampar um discurso que me permitisse dizer que “sairemos melhores dessa”?
O que eu fiz? Uma doação aqui, outra ali?
Aumentei a esmola de quem está na rua? Comprei um pacote de fralda? Um leite em pó? Um kit higiene? Uma ração para o cachorro do mendigo? Isso é sair melhor?
Estou tão preocupada comigo que, hipnotizada pelo meu próprio umbigo, não consegui sequer levantar o olhar.
As lágrimas diárias são por mim e pelos meus familiares, que estamos todos bem, com emprego, dinheiro, saúde, comida boa, casa confortável e (alguns até com) tédio.
Mas e a minha faxineira, que foi dispensada de várias casas sem pagamento?
E a minha manicure que está sem trabalhar? E os meus professores da equipe de remo que sobrevivem das mensalidades? Será que em momento algum pensei nessas pessoas? Tão próximas? Quase íntimas?
E aquelas que eu não conheço? Que perderam um parente querido? Que imploram por um leito de hospital? Que não tem dinheiro para comida? Ignorei/ignoro completamente a dor alheia? Me tornei o que temia: uma mulher branca, rica, saudável, egoísta e cega trancada na própria bolha de álcool-gel.
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