Retratos de passagem
Ela se cansara da impessoalidade do metrô. Ao embarcar, poucas estações após o ponto de partida, Julia retirava o caderno e o lápis da mochila e aguardava.
À medida que o trem avançava rumo ao terminal, ela procurava identificar os passageiros que fariam os percursos mais longos. Ficava atenta aos viajantes que cochilavam ou se faziam acompanhar por um livro, a sugerir que, por certo tempo, não precisariam se erguer do assento para abrir caminho até as portas automáticas do vagão.
Identificados os objetos de trabalho, Julia se punha a desenhar.
Com a franja caída sobre os olhos, observava com discrição o passageiro escolhido. Levava, habitualmente, três estações para concluir o esboço. Se percebia que o passageiro não estava próximo de desembarcar, acrescentava mais detalhes e reforçava os traços.
Chegando ao seu destino, Julia se encaminhava para as portas mais
próximas da pessoa que selecionara e lhe entregava o desenho, sem dizer
nada. Carregava as expressões de surpresa e encantamento que recebia como inspirações para os seus próximos trabalhos.
Quando o passageiro desembarcava inesperadamente, sem que ela tivesse a chance de lhe entregar o presente, guardava a folha de papel na bolsa, na esperança de reencontrá-lo na viagem seguinte.
*Mariana Bregieiro, do @papiroetinteiro, é nascida no interior de São Paulo e criada em Recife. Formou-se em Direito, mas prefere escrever sobre pessoas que habitam sua imaginação. Cinéfila e viciada em reality shows.