A casa da infância
Não sei dizer o que me levou a percorrer num domingo à tarde as ruas da vila onde passei minha infância. Um outro eu implorava: me leve para ver a casa onde vivi dos seis aos dez anos com meus pais e meus irmãos, protegida de todo mal, amém.
Ou sim, sei dizer. Era proteção e aconchego o que eu buscava num lugar onde cada ato parece se repetir infinitamente, como na teoria do eterno retorno.
A memória daqueles dias resta intacta, rica em detalhes. Da nossa rua, lembro absolutamente todas as casas, e cada família, e cada mãe e cada pai, e cada filho e cada filha. Como pode?
Numa rua lá de cima, a casa da Valéria na esquina. Era minha melhor amiga. O que terá sido dela? Em outra rua mais abaixo, a morada dos gêmeos. Faz tempo que não sei dos gêmeos.
Ali a escola classe, tão diferente agora. Tia Leila… será que ainda vive? Uma vez ela me deu um livro chamado O Tesouro Perdido do Gigante Gigantesco. Ainda está aqui na estante.
E a nossa casa, finalmente a nossa casa. Era rosa de pastilhas, hoje é branca. Tinha cerca viva, agora só o portão. E não mais o xixi-de-macaco, nem o abacateiro, nem a mangueira. Mas a caixinha de correio – uma casinha de metal – ainda está lá sobre o portão.
Minha irmã nasceu naquela casa, onde recebemos visitas de avós, tios e primos e criamos cachorros, gatos e galinhas, todas com nome. Eu e meu irmão aprontávamos horrores, mas quem levava a culpa sempre era ele, eu era sonsa. Uma vez ele arrancou os pés de couve do meu pai. Minha vó foi lá e replantou para que ele não levasse bronca.
Nossa vida era aquela: aquela casa e aquele quintal.
Saíamos pouco, não íamos a restaurantes, não fazíamos grandes viagens, não tínhamos roupas nem brinquedos em exagero. Só a mesa, redonda, era farta em delícias feitas pela minha mãe.
Éramos felizes, pelo menos eu era. E a atual rotina pandêmica me remete à simplicidade da infância. Pena eu não ter quintal. Se tivesse, ia plantar uma horta igual à do meu pai. Ia sim, porque lembro a posição de cada planta.
*@noelinobre, brasiliense de raízes bandeirantes e amazônicas. Adepta do sonho, amante das palavras.
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