Tempo pra mim

Iva França escreve no Blog Vida de Adulto sobre falta de tempo para se cuidar
Foto: Depositphotos

*Iva França

Hoje ao levantar, como de costume, fui tomar banho. Logo ao terminar e iniciar a sessão de cremes que passo pelo corpo, percebi as unhas em formas desconexas, umas côncavas outras convexas que saíram agarrando os fios da toalha. Estremeci!

Fiquei um tempo apegada àquela cena de descuido comigo. Virei para o espelho, cabelos opacos, os brancos gritavam. Confesso, sou uma mulher vaidosa até a página dois, mas nunca me vi tão abandonada. Não posso culpar a pandemia por isso. Posso?!

O fato de não ter que sair e tomar o metrô para chegar ao trabalho me deixou nessa absurda falta de tempo para mim?

Hoje pareço trabalhar dobrado, porque, entre um intervalo e outro, dou um jeito de forma geral na casa, arranjo tempo para tudo, aos pequenos detalhes. Por que raios não uso um pouco desse tempo para tirar o esmalte já gasto? Por fim, o meu desespero não foi o esmalte e, sim, a noite passada.

O romance que não acontece por eu não dar conta, por não sentir falta, pelo tesão que se esvai. Pois é, a mulher fogosa do meio da madrugada ficou parada em Balzac. Minto! Não ficou, ela só está se achando velha demais aos 55 anos. É assim que quero envelhecer, sentindo todo o peso da menopausa e esquecendo a balzaquiana que fui um dia, afinal, não tem todo esse tempo.

Uma parte de mim que faz falta, aquela sedutora há 32 anos do mesmo homem que hoje me solicita enquanto tenho medo por não sentir. Sei que as coisas devem ser partilhadas, assim como as finanças, as compras, as viagens, os filhos crescidos e suas questões, tudo deve ser por isso, sinto falta de mim, se não fizesse falta, seria o caos, mas faz.

E se faz, é hora de ter tempo para mim, e dizer a ele, me ajuda, eu quero aquela mulher que fui um dia mesmo com as minhas limitações, até porque estamos envelhecendo juntos. Estou usando esmalte azul, minha cor preferida e meus cabelos, o vermelho carmim, me deixou linda outra vez. E agora, qual a lingerie?


*Iva França, do @poemaemflor, é Mestra em Literatura Portuguesa e Doutoranda em Estudos Literários, Culturais e Interartísticos, professora, Escritora e Poeta. Lançou seu primeiro livro de poesias em 2013, tem participação em antologias diversas e preparar-se para lançar o livro de poesias “Caderno de Rascunhos” e o de conto “Lola: todas as mulheres”.

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