Máquina (do tempo) de escrever

Taciana Collet escreve sobre a máquina de escrever que era do seu pai
Foto: Arquivo pessoal

*Taciana Collet

Sete anos esta madrugada. Sete anos desde que o telefone tocou antes das sete. Sete segundos de silêncio pra eu saber que chegava a notícia que não queria ouvir. O coração do meu pai tinha batido pela última vez.

Sete anos depois, escrevo pra contar que ele encontrou um jeito de se fazer presente e reavivar sua memória dentro de mim. Esperou sete anos pra que eu estivesse pronta pra receber. Esperou, lá de cima, ver meu olho voltar a brilhar aqui embaixo. Dessa vez, quando o telefone tocou, não imaginava a notícia que minha mãe me daria e ela precisou repetir várias vezes:

– Sabe a máquina de escrever do seu pai? Encontrei aqui quando fui limpar o escaninho nunca limpo.

Como assim? A máquina que eu imaginava perdida apareceu do nada? A mesma máquina que meu pai datilografou a primeira historinha que inventei, meu primeiro livro, aos sete anos? Sim, essa mesma. Ainda sem acreditar, fui buscar a máquina na qual escrevi também as primeiras notícias como estudante de jornalismo.

A máquina que é de escrever, mas virou do tempo, me levou para a passada época em que o coração do meu pai ainda batia.

A S D F J K L Ç

A máquina tornou a bater, meu coração bateu junto. Bateu forte com o restinho de tinta da fita de tecido de quando meu pai ainda datilografava. Aproveito porque não sei quanto vai durar – nem a tinta, nem a magia.

Não tinha outra palavra para ser a primeira a escrever.

PAI,
Quero te contar que…
… aprendi que erro não se apaga nem com corretivo, mas pode virar aprendizado
… descobri que todo dia recebo uma página novinha em folha pra escrever uma nova história e venho escrevendo
… datilografia a gente não esquece
… O QUE IMPORTA se escreve em caixa alta
… a escrita me religou de alguma forma a você
… a tinta está no fim, mas o amor segue, sem ponto final

P.S. O presente chegou no tempo certo porque certas coisas eu só aprendi a valorizar depois que você partiu. Mas tudo isso você já sabia, né DAD?

De volta ao presente, programei a máquina (do tempo) de escrever pra levar as palavras de volta à eternidade, aonde ainda vamos nos encontrar.


*@tacianacollet é jornalista e uma das fundadoras do Vida de Adulto.

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