Navegar não é preciso

Foto: Depositphotos

*Fabrícia Hamu⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

“Filha, acho que cansei…”, me diz minha mãe. “Cansou de quê?”, pergunto, enquanto mexo distraída no celular. “De viver…”, ela responde. “Hã, de comer?!”, questiono, desatenta. “Não, de viver.

Cansei de fazer quimioterapia.

É muito sofrimento. Mas desculpe te incomodar com isso. Você quer olhar o Facebook e eu te atormentando”, se justifica.

Esse diálogo aconteceu na semana passada. Foi uma facada no meu peito e também fez com que eu me desse conta do ridículo da situação: minha mãe com câncer, me dizendo que não tem mais forças para se submeter ao tratamento que precisa fazer para melhorar, e eu desconectada do desabafo dela, enquanto prestava atenção a um “importantíssimo” tutorial de maquiagem no Youtube.

O susto não terminou por aí. Ontem, meu iPhone me enviou o Relatório Semanal de Uso.

Um total de 21 horas e 52 minutos dedicados às redes sociais, 1 hora e 53 minutos de produtividade e 1 hora e 50 minutos para “outros”. Nesta última categoria, estão as poucas ligações que fiz e recebi, de amigos e familiares, com os quais deveria tratar de… afeto.

Quase um dia inteiro voltado para as redes sociais e nem uma hora para um café, um almoço ou uma visita às pessoas queridas. Horas a fio me perdendo em corpos que nunca terei, viagens que nunca farei e roupas que jamais comprarei no Instagram, em vez que de ouvir a voz de quem gosto, de sentir o toque de quem é importante para mim.

Horas a fio vendo no Facebook as brigas políticas, a rotina maravilhosa e as lições de moral de gente que nunca nem vi, em vez de olhar bem fundo nos olhos da minha mãe e dizer a ela que preciso que lute pela vida, não apenas por ela, mas por nós, seus filhos, que a amamos muito e queremos que continue conosco.

As redes sociais têm suas vantagens, mas também nos vendem a ilusão de que estamos executando algo importante ou prazeroso, quando, na verdade, não estamos. A vida é curta demais para fazermos tantas coisas que não gostamos, e gostarmos de tantas coisas que não fazemos. É hora de inverter o ditado: navegar não é preciso, viver é preciso.


*@fabriciahamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.

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