Fuga
Não foi a primeira vez que quis fugir. Foi apenas a mais recente. E nem sempre se foge de um lugar ruim. Pode ser um ímpeto inexplicável, sutil ou intenso. Pode ser desconcertante.
O gatilho foi a chegada dos 40 anos. Para a mulher, o marco da percepção da finitude. Da decadência iminente. Da certeza de que a ampulheta quebrou e que só resta segurar a areia com as mãos, até ela escorrer pelos dedos.
Quem teve filhos, teve. Quem teve dois, teve. Pra quem esperou, pode ser tarde. É aí que a ampulheta quebra.
Isso somado a um casamento simbiótico, que não me permitia mais saber os limites do que era eu e onde começava a outra metade.
Quis mergulhar em outros mares. Mas não foi um nado tranquilo. Foi um pulo de um trampolim de dez metros.
Quando cheguei perto do fundo, achei que talvez não tivesse fôlego pra voltar à superfície. Tive um pânico. Mas consegui emergir.
Percebi que não era uma aventura. Era uma fuga. Queria escapar de mim mesma, da dura realidade, da passagem do tempo, do tédio do dia a dia, do medo do ninho vazio próximo, do temor de perder as conquistas dos últimos vinte anos, e ficar sozinha. Porque a vida é pra ser compartilhada, afinal.
Ter outro é ter uma segunda opção. É poder ser cortejada de novo. É a ilusão de se estar revivendo os vinte anos, de ter a sensação de ter entrado numa cápsula do tempo. De ter uma vida paralela, de ter outra vida.
Assim como uma tentativa de fuga, a ilusão dura pouco. Se soprar, voa. Como um dente-de-leão.
*Laura Lisboa é o pseudônimo de quem que só aceita escrever se estiver nos bastidores. “Em tempos de vigilância total, a maior liberdade é não ser vista”.