Um pisciano, um pernil e eu

Imagem ilustrativa do texto de Sarah Nascimento
Foto: Pixabay

*Sarah Nascimento

Deu-se neste fim de semana. Encontro de família, em Goiânia, em comemoração ao aniversário de um pisciano e dois arianos: meu pai, meu irmão e meu sobrinho. Para celebrar à altura, meu pai cuidou de providenciar o churrasco e um inusitado pernil. Achei a quantidade de carne desproporcional, afinal éramos poucos. “Para quê tanta carne?!”, comentei.

Passado um tempo, estávamos, nós dois, sentados na área conversando, ele voltou a falar da carne. Colocou sua mão sobre a minha dizendo: “Quando eu faço isso, é por mim”. Ia continuar a explicar, mas foi interrompido pelas lágrimas, que brotaram como quem diz: “Deixa que eu continuo”. Fiquei ouvindo sem ousar quebrar o silêncio, verbal… Não foi a primeira vez que essa cena aconteceu em nossa história, mas foi a primeira em que não intervi.

Quantos não foram os anos em que sentindo raiva do cenário de pobreza em que cresci, da rua sem asfalto, do sofá feio, da falta da roupa de marca, como não?! Fui cruel, eu sei. Por mais que fizessem por mim, ele e minha mãe, eu não achava suficiente.

Sabe quando você recebe um papel em uma peça de teatro na escola e não é nada do que queria? Amei todos os que chegaram para compor a peça da vida comigo, meus pais e meus irmãos, mas rejeitei o cenário.

Cresci querendo mudar a minha história. Nessa nova oportunidade que a vida me trouxe, sem perceber, eu a honrei. Senti-me liberta. Enquanto meu pai se emocionava, não fiquei aflita, com pena dele, tampouco o consolei ou o julguei. Não me senti desconfortável, ansiosa pelo fim da situação. Estava presente, respirando diante de outro Ser, dos quais, de seus 71 anos, participo há 47 e chamo de pai.

Compreendi que não preciso mais avançar inconscientemente na vida para curar sua dor, nem vingá-la; nem a de minhã mãe; nem a de meus irmãos. Isso não me foi pedido, mas foi o que a minha criança interior, filha mais velha, pegou pra si, querendo ser a fada madrinha provedora, para romper com a escassez.

A abundância emerge ao honrarmos, agradecermos e seguirmos na direção do que verdadeiramente viemos cumprir.


*@sarahnascimento.evolucao é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Atualmente participa como colaboradora.

2 thoughts on “Um pisciano, um pernil e eu

  1. Rico, condensado de amor o texto Sarah!
    Previlegio desfrutar a vida de temperança com sua linda e rica família!
    Nasceu e cresceu em berço de amor!
    ” As ruas sem asfalto, roupas simples, sofá da época” o sentimento de desconforto foi o legado mais valioso!
    Que cidadã respeitada, pessoa linda se constituiu!
    Parabéns por tudo que vives!
    Amo-te!

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