Há quanto tempo eu não pegava um ônibus?
Chuviscava.
Mesmo sem guarda-chuva, resolvi descer do carro e caminhar duzentos metros até o trabalho.
Queria sentir aquele chuvisco batendo em mim.
Daquelas sensações que me levam de imediato pra infância.
Gota de chuva tem sabor de liberdade.
Pequenos prazeres sem custo.
Mas a chuva engrossou e achei melhor me abrigar.
Um ponto de ônibus me protegeu.
Fiquei ali parada à espera…
da chuva passar
E os passageiros só queriam que o ônibus passasse.
Olhei pra mim com um olho de fora
A água da chuva já tinha encharcado meus pés, escorrido a maquiagem e baixado meus cachos.
Mas eu só sabia me perguntar:
Há quanto tempo eu não pegava um ônibus?
Me deu vontade de entrar no primeiro que passasse, deixar o trabalho do outro lado da rua sem mim e buscar um destino que quisesse me encontrar.
Pensei duas vezes.
Passou o terceiro ônibus e eu não entrei.
Veio um carro, passou pela poça e terminou de me molhar.
Eu ri comigo,
fazia tempo que eu não me sentia tão no mundo real.
Ri pro senhor que estava ao meu lado.
Ele me devolveu o sorriso.
Olhei pro céu cinza,
olhei pro asfalto que virou córrego.
Não peguei o ônibus,
mas me autorizei a atravessar a rua sem a chuva passada.
Sozinha na faixa de pedestre,
distante do coletivo.
Fui.
Só pra me lembrar que não sou menos, nem sou mais.
Há quanto tempo eu não me via no lugar do outro?
Há quanto tempo eu não pegava um ônibus?