NO AR
*Sandra Araújo
No ar, não se sentia nem um pouco leve. Não, não era fácil. Mas por quê? Por que ia? Para que atravessava os ares? A aeromoça anunciava sempre: “mantenham o cinto de segurança afivelado até que os avisos luminosos de atar cintos sejam desligados…”. E ela mantinha-se assim, fixa, lendo, sempre lendo…
O que buscava naquelas leituras? Queria entender Hilda Hilst. Mas por que Hilda? A donzela da batalha? Não sabia… Só sabia que aquela senhora entrava cada vez mais em sua vida, crescia… E não travava com a autora nenhuma batalha, apenas seguia e obedecia àquelas palavras que pareciam abarcar o mundo e ao mesmo tempo questioná-lo!
Quando viajava de Brasília para Belo Horizonte, para ter aulas de literatura, emaranhada em tantos pensamentos, não se sentia culpada. Sentia que um mundo fantástico a esperava para descobri-lo, como o enigma da esfinge: “decifra-me ou devoro-te”. Ela nem sempre decifrava, mas nunca, nunca, nunca era devorada! Era sempre instigada a ir mais e mais…
Quando voltava, era outro mundo… Filhos, marido, família, trabalho… Eles não deixavam de existir enquanto ela lá estava, porém pareciam suspensos, e só havia Hilda, poetas, críticos. Voltava pelos ares. Estes sim pareciam querer devorá-la!
Sentia-se grande, pequena, feliz, triste, realizada, incompleta. Ah, quantos dilemas! Será? Mas ela não se sabia mulher de dilemas! Sabia-se mulher interrogativa, procurando entender, interpretar, colher para si algo que ainda não possuía.
O sentido. Ah, o sentido das coisas! Ah, que difícil! Isto sim! Haveria mesmo sentido? Seria doutora? Doutora de quê? Já era profunda expert em sintomas de bronquite, em febre que anuncia uma virose, em choros na porta de uma loja por causa de um brinquedo. Tudo criança, tudo filhos, alegria e aflição! Então, por que precisava de título? Não era título que buscava! Era ser além… Era saber… Saber-se!
*Sandra Araújo é poetisa, autora do livro Casa de Vento. Ela abre diariamente a janela para deixar o vento entrar.