Medo de sentir

Foto: Arquivo pessoal

*Renata Varandas

Há alguns dias, ouvi Lulu Santos cantando “Tempos Modernos” e, pela primeira vez, depois de passar a vida inteira escutando essa música, a frase “vamos nos permitir” fez sentido pra mim.

Tenho me queixado com frequência ao Alexandro, meu terapeuta, que estou como Arnaldo Antunes, pedindo um novo coração porque o meu não bate nem apanha mais.
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Na nossa última sessão, depois de ouvir novamente a mesma ladainha, Alexandro me perguntou: “Você está se blindando porque está com medo de sentir o quê?” E Alexandro saiu de férias.

Perdi a fala diante desse questionamento. Há mais de uma semana estou sem voz, literalmente. Tempo suficiente para pensar sobre os males que o “medo de sentir” me trouxe e traz. Não sinto nada, repito como um mantra para tentar me convencer. Me justifico: prefiro a insensibilidade por medo de sofrer.

Tomei coragem. Tirei a armadura e me permiti (ou admiti) sentir.

Me flagrei sentindo tristeza e impotência diante do relato de um amigo que sente saudades do falecido pai; dor e alívio ao pedir desculpas a uma pessoa que gosto muito por tê-la feito sofrer; extrema alegria ao passar uma noite de sábado ao lado de gente que amo; gratidão ao ter sido confidente de um assunto tão íntimo de uma amiga; prazer ao desfrutar da companhia da minha mãe por uma tarde; angústia diante da possibilidade de cirurgia de um amigo; decepção em relação às expectativas criadas; solidão em uma noite de sexta-feira; saudades de quem não está perto.
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Reconstruí o que eu achava que estava em ruínas. Passei a observar meus sentimentos sem julgá-los, como manda o budismo. Entendi que, mesmo que eu não queira, que lute contra, que não admita, eu sinto e sinto muito. E se me faz sentir, algum sentido faz pra mim.

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