Pais e filhos

Foto: Arquivo pessoal

*Enio Vieira

Entre povos indígenas, pai é o adulto mais próximo da criança. Não há relação biológica de paternidade que se sobreponha aos demais vínculos. Laço de sangue está mais para invenção de europeu branco que pensou coisas como Complexo de Édipo, rivalidade do filho com pai, função de autoridade do pai (figura da lei).

Qual dos dois modelos seria o mais adequado, ninguém pode afirmar com certeza. Anda em voga (entre nós, gente da cidade grande) cultivar a admiração pela forma de vida dos indígenas. Também está na onda o culto ao pai autoritário que vai nos salvar e proteger dos males do mundo – sem contar um desprezo pela vida dos indígenas.

O pai autoritário é um personagem típico de inúmeros filmes e livros. Filhos que se rebelam e tentam se afastar da figura paterna. Ao longo dos anos, salvo engano, a visão muda, as diferenças deixam de ser questões de vida ou morte. Filhos se tornam pais, e as cenas de rivalidade passam a ter outros personagens, outros filhos.

Nos últimos anos, percebo que o Dia dos Pais se tornou doloroso para quem não tem mais a figura paterna. As redes sociais viraram espaços para declarações de amor nos segundos domingos do mês de agosto. E de silêncio de quem já os perdeu, sobretudo as filhas que criam uma relação quase indestrutível com “aquele” homem.

Na minha família, temos um “fantasma” que poucos conheceram, mas de quem muito se falava (meu avô paterno morreu quando o filho tinha quatro anos). Desconfio que meu pai começou anos atrás uma jornada de construir árvores genealógicas para descobrir quem foi aquele sujeito que poucos chegaram a conhecer.

Hoje, estou na fase de descobrir uma moça de 16 anos que me chama de pai. Sou o adulto homem mais próximo dela – ainda que não seja indígena. Será que ela tem uma admiração indestrutível ou uma rivalidade crescente por mim ou outro sentimento? Apenas o tempo dirá. Me transformei de filho em pai, sem deixar de ser um filho que, por sinal, carrega o Nome do Pai na assinatura – sempre uma baita responsabilidade.

*Enio Vieira, jornalista, espera escrever o livro que planeja desde sempre.

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