Um menino me salvou

Foto: Depositphotos

“Dona, me paga um almoço?”, me pediu um garoto de uns 8 anos, no bar onde eu estava. Disse que sim. “Posso comer aqui?”, quis saber ele. Respondi afirmativamente de novo e perguntei se o menino que o acompanhava também queria almoçar. “Não, ele só quer uma Coca, se tiver jeito”, completou.

Alguns minutos depois, procurei pelo garoto e não o vi na mesa. O amigo estava sozinho. Percebi, então, que ele ria e se divertia na brinquedoteca. Meia hora mais tarde, ele voltou, comeu rapidamente e chamou o colega para retornar à brinquedoteca com ele.

Minha primeira reação foi ficar com o coração apertado, pensando em como é triste viver num país onde uma criança precisa mendigar o direito de comer e brincar. Depois, observando o garoto gargalhando no escorregador, vi que quem estava em posição de superioridade era ele, muito mais sábio do que eu.

Apesar da pobreza, o menino não perdeu a capacidade de se encantar com a vida. Conseguia ver além dos problemas e desfrutava de cada momento de felicidade, por mais breve que fosse. Teria eu esse dom? Se sim, ele estava perdido, provavelmente em algum lugar da minha infância.

Qual foi a última vez que tomei banho de chuva? Que disse que amava e sentia saudades sem medo da resposta? Que ri de uma bobagem até a barriga doer? Que deitei na grama do parque para ver o céu? Que rezei ao meu anjo da guarda com a certeza de ser atendida? Não me lembro.

Semana passada, enquanto esperava no restaurante a chuva passar, para voltar ao hotel onde estava hospedada, me lembrei do garoto do bar. Decidi tomar ali mesmo meu banho de chuva. Fiz o trajeto a pé, sentindo a água lavar minha alma, grata ao menino pela lição salvadora.

Quando pequenos, sabemos o que é importante. Ao crescer, desaprendemos o essencial. Ainda bem que sempre existirão as crianças, para nos ajudar a recalcular a rota.

Chegamos ao hotel, eu, toda ensopada e feliz, e Milton Nascimento, no fone de ouvido, me lembrando que “há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração”. Toda vez que o adulto balança, ele vem para me dar a mão.

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