Portal de anjos
*Marcela Heitor
Eu peço licença pra falar sobre os nossos meses de licença. Desse tempo de afastamento do mundo e de qualquer sentimento que não fosse, no mínimo, transbordante. O que eu aprendi nesses quase seis meses com você já valeram pela vida inteira antes da sua chegada. E olha que eu lembro bem como era. Já conhecia o amor, já era feliz, tinha e sigo tendo meu próprio eu. Mas você, filha, me fez ver que existe um mundo além.
Volto ao mundo de pontos, expedientes e dias úteis de coração em paz e alma lavada, porque sei que nossas 24 horas juntas foram 24 horas juntas. A maternidade foi leve com a gente ou a gente que foi leve com a maternidade?
Ah, mas não teve choro? Não teve medo? Não teve dia de privação de sono, exaustão, vontade de ficar no banho sozinha por meia hora? Teve. Mas quando você entende que isso faz parte do processo e vira a chavinha, o mais importante nunca é questionado. Você segue o fluxo do rio, feliz com o rumo que a água toma.
Volto ao mundo dos pontos, expedientes e dias úteis de coração aflito e alma pequena, porque sei que nossas 24 horas juntas ainda não foram suficientes pra todo amor que a gente quer compartilhar e toda descoberta que quer presenciar. A maternidade, e isso só as mães entenderão, é um misto de “dei o meu melhor” com um “devia ter feito diferente”. Culpa e amor. Preocupação e felicidade. Análise constante de escolhas racionais baseadas em coração e intuição.
As mães são um portal. Nós puxamos anjos, espíritos de luz, seres indefesos de um mundo X para este mundo Y. E assumimos as dores e as delícias dessa viagem sem volta.
*Em outras épocas, Marcela Heitor se apresentaria como uma jornalista workahollic de Goiânia para o mundo – e bota mundo nisso, porque ela adora viajar. Hoje, prefere dizer que é a “mãe da Cecília”. Não que as outras funções tenham sido anuladas, mas há seis meses tem sido essa sua principal e mais desafiadora ocupação.