Peixinha adestrada
Nunca fiz aula de natação. Aprendi a nadar com meu pai. A técnica era sem técnica. Ainda bem pequena, ele me jogava na água e dizia:
- Vai, peixinha, nada que você consegue.
Eu me jogava sem medo porque sabia que dali ele não sairia. Uma, duas, vinte vezes. Meu pai era o mágico que me fazia levitar na água, me deixava com as mãos enrugadinhas e com o olho vermelho-vivo de peixe que nadou demais.
Era uma peixinha ligeira que nadava com um braço só porque meu pai me ajudou a descobrir que assim era meu melhor jeito. Nadava no instinto, gostava de mergulhos profundos e atravessava a piscina sem respirar.
Meus pais economizavam no que podiam e eu nunca fui para uma escolinha aprender a nadar com estilo. Era uma peixinha de nado bem livre e nunca me importei.
Até que… nos últimos anos, resolvi aprender a nadar direito, talvez porque meu pai nunca mais estaria ali comigo. Cheguei inibida na piscina do clube, eu e minha técnica rápida de nadar com um braço só.
Pra ser aceita naquela piscina toda dividida, pensei eu, precisava mudar. Comecei a nadar olhando pro lado pra imitar. Pra nadar direito, tem de ser em cardume. Adestrada. Fui nadando com os dois braços, respirando bonito, fazendo igual. Meu tempo melhorou. Estava me sentindo a nadadora até que perdeu a graça e desisti.
No último mês, como estava muito seco, resolvi voltar. Estava me arrastando na piscina, meus dois braços pesando duas toneladas. A perfeição até podia ser perfeita, mas era chata. Apelei comigo mesma e coloquei minha criança pra nadar com um braço só. Foi automático. Viajei no reflexo do sol e mergulhei pra brincar de pega-pega com minha sombra lá no fundo da piscina.
Senti a peixinha de volta, livre, sem medo do que os vizinhos da raia ao lado iriam dizer. Na minha raia, se eu não invado o espaço de ninguém, eu posso ser a peixinha que eu quiser. Depois de várias voltas assim, no fundo da piscina, apareceu meu pai pra me dizer que ele sempre esteve ali me olhando. Ficou caladinho esse tempo todo pra que eu sozinha percebesse.
Nado desajeitado, velho novo estilo, esse é o meu jeito.
- Pai, sua peixinha voltou. Deixei o cardume.