Manuela
Mal entrei na lancha que faria o translado de Boipeba para Graciosa e entendi que não havia feito a melhor opção. Não pelo meio de transporte, mas pela escolha do meu visual para aquela viagem: eu não havia prendido o cabelo.
Bastou a lancha dar a partida e meu cabelo parecia bater asas como um pássaro desesperado pela liberdade. Imediatamente, olhei pra Manuela, que estava sentada de frente pra mim.
Ela, de cabelos presos, com toda a destreza, apesar de só ter sete anos, transformou seu rabo de cavalo em um coque. Manuela, além de já estar com os cabelos presos, ainda tinha um elástico sobressalente.
(Nota: sei que se chama Manuela e tem sete anos porque descobri uma pequena etiqueta na mochila escolar dela que dizia: Manuela, 1ª série. Se não for emprestada, doada, achada, sim, ela se chama Manuela e tem o tamanho de uma garota de 7 anos).
Ela percebeu que invejei a sua perspicácia. Passamos a nos olhar. Uma troca de olhares que às vezes se cruzavam e se desviavam rapidamente. Ninguém queria constrangimentos.
Naqueles 40 minutos, pensei em que tipo de mulher Manuela iria se tornar. Quantas dificuldades teria que enfrentar aquela bela menina negra e pobre? Será que repetiria a trajetória da sua jovem mãe, que viajava ao seu lado, grávida e com um semblante pesado e triste? Será que sonhava em ser independente? Será que queria ser médica? Será que planejava mudar para a cidade grande?
Passei a desejar mentalmente a ela que pudesse ser tudo isso (independente, médica, cosmopolita), mas em um rompante de lucidez, entendi o quão prepotente eu estava sendo. Pedi perdão. Esqueça tudo que pedi a Manuela. Quem sou eu para desejar o que será melhor pra ela ou para qualquer pessoa?
Manuela, apenas desejo que você seja feliz, livre e respeitada pelas suas escolhas. Desejo que seja forte quando a vida te exigir resistência e sábia quando se sentir vulnerável.
Já ela me desejou o melhor: que eu me sentisse mais confortável naquela viagem. Obrigada pelo elástico de cabelo, Manuela. Era tudo que eu precisava naquele momento.