Saber Dizer
*Uilson Paiva
Então, aos 46 anos, decidi que iria lançar um disco. Um registro das canções que compus ao longo de uma vida de músico deixada de lado, desde a faculdade, em prol da carreira jornalística – 13 anos em redações de grandes veículos e outros 15 nas áreas de comunicação e sustentabilidade.
Mais difícil que a proeza em si de conciliar o tempo para, durante dois anos, arranjar e gravar, instrumento por instrumento, as 12 faixas do álbum, foi a construção interna dessa possibilidade. Será que posso, será que devo? E por que agora? Por que só agora? Tentar – e, ao final, conseguir – respondê-las foi um processo de autoconhecimento tão importante quanto a concretização física do projeto.
De início, era um disco de compositor: encontraria cantores para interpretar cada música, conforme seu estilo (soul, rock, blues, samba, samba-canção). Mas um dia, na elaboração de uma delas, o produtor me provocou: “Essa você vai cantar, né?” Cantei aquela e decidi cantar todas. Terminei as gravações concluindo que, seguramente, há inúmeros cantores melhores que eu, mas sou o melhor intérprete de mim mesmo.
Não à toa, o disco tem o nome de Saber Dizer. O texto do encarte diz:
Para que ritmo e poesia se libertassem do armário musical em que até hoje me guardara.
Para revelar minhas camadas, desfolhá-las em versos e melodias – músicas de tempos e lugares tão diversos e longínquos, dentro e fora de mim.
Blues de um outono em tons de azul.
Beats solares no cenário perfeito a caminho do mar.
Um mantra gospel que se impôs em inglês.
Um samba em forma de dor recitado abruptamente, à capela, porque maturou.
A precisão da milonga para sintetizar-me na eterna jornada de volta aos campos de um plano sem fim.
Para me transportar às ruas gélidas da noite cinza em que compartilho uma serenata imaginária com meu pai.
Porque esta é a trilha sonora de minha vida.
Porque de outra forma nunca vou saber dizer.
*Uilson Paiva é músico, poeta e jornalista (não necessariamente sempre nesta ordem)