O monstro não estava debaixo da cama

Foto: Arquivo pessoal

*Pedro Miranda

Aprendi a ter medo de falar desde cedo. Cuidar do tom, do jeito, afinal o jeito certo não era o meu. “Fala direito! Por que você está falando desse jeito?” Seguido do tapa cotidiano, do grito desorientador, da ofensa. Ainda consigo ouvir os xingamentos, as certezas de que eu era errado por ser eu.

Aprendi a ter medo de me mover. A não me mexer nem fora do tempo ou da ordem. Aquela mão pronta para atingir minha integridade. Imaginária na angústia de cada escolha básica diária. Visceral na paralisia, na certeza de que eu não merecia. Real na urina quente ao perceber o levantar daquela mão.

Aprendi a ter medo de agir e errar. Uma cotovelada surpresa no peito ao não justificar um nove na prova. Ou quando o saco de laranjas pesado que eu tentava carregar se rompeu e, desorientado, catando do chão, eu apanhava. Aprendi a me desculpar a cada ação para evitar dor. Robô, o nome que mais doía… Eu realmente paralisava por medo. E apanhava.

Aprendi a mentir. Eu caí de bicicleta. Por medo, disse: “Um cara me derrubou”. Fui arrastado para a rua, com a carne sangrando, esfolado pela brita. Lavar e fazer um curativo, nada disso. Pedalei em direções aleatórias procurar o “cara” que tinha me derrubado. O sangue escorria nos meus olhos e eu mais uma vez me sentia um incômodo.

Aprendi a ter medo de existir. Dormi na cama errada e queria atenção, talvez carinho, receber um boa noite. Tapas na cabeça, gritos, um arremesso na minha cama foi o que ganhei e até hoje não sei o porquê. Sempre ouvi sobre os perigos da rua e que o mundo não é seguro, mas o inferno era ali. O monstro não estava debaixo da minha cama, estava ali.

Aprendi a ter medo de ser. Sim, de ser eu mesmo. Eu era uma falha, uma pessoa não desejável dentro de um ambiente que, em teoria, deveria ser meu lar. Eu era comparado, todo o tempo, com referências próprias, da família, da igreja e, acreditem, da televisão.

Hoje substituo a culpa pelo orgulho de ser, o peso do medo pela leveza do que sei, as pequenas certezas pelas grandes dúvidas e um algoz – forte e ameaçador – por um sofrível, medroso e acuado ser humano que não tem a consciência do que fez ou do porquê da própria existência.

*Pedro Miranda é capricorniano fajuto, com ascendente em câncer e lua em leão. Filósofo em formação, amante de jogos, leitor de mangás e também é escritor quando as paixões surgem. Todas elas.

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