Relicário

Foto: Arquivo pessoal

*Sabrina Martins

De repente, me deparo refletindo sobre a velha máxima de que a vida é feita de surpresas. O medo, em seu sentido mais do que literal, tomou conta de mim. Sim, a realidade ia contra todas as minhas certezas. Na minha tentativa de controlar o incontrolável, eu já tinha traçado todo o percurso, desde a chegada ao hospital para a internação, passando pelo tratamento e por fim a alta, que seria sem dúvidas, comemorada com balões bubble.

Os dias foram passando e em mim misturavam-se a convicção de que tudo estava conforme com a incompreensão de ver novos sintomas surgindo. Foram onze dias. No décimo, eu recebo a notícia paralisante: não havia mais o que fazer e tudo o que fora feito tinha sido em caráter paliativo (demorei longos segundos para lembrar-me dessa palavra, porque tudo o que mais quero é tirá-la da minha cabeça).

No dia seguinte, o meu maior medo torna-se real, materializa-se em frente aos meus olhos, na forma de morte. Um misto de sensações, todas ruins. Até mesmo abraços não conseguem confortar. Pelo contrário, desmoronam. Os rituais e homenagens são necessários. A oportunidade da despedida física parece ajudar. A paz e a tranquilidade em seu semblante também. Não há mais dor em ti. Nem medo… Apenas luz.

A volta à “realidade” parece impossível. Como posso manter-me de pé se você era minha estrutura? A ausência grita nas paredes, ao mesmo tempo em que posso sentir sua presença em cada cômodo. Só conhece essa dor quem prova do seu sabor.

Sinto falta de quando eu tinha tudo o que me fazia feliz. Só agora eu entendo que antes eu não tinha problemas. Sigo na busca pelo antídoto para essa dor. Você sempre foi meu espelho, e se você foi força, eu também tenho que ser.

O amor é o sentimento que transcende a morte. Quem fica e quem vai permanece com ele. Agora, o pilar que me sustenta é a chance do reencontro e da eternidade. Mãe, meu coração virou relicário, guarda algo precioso para sempre ser lembrado.

*Minha formação é engenharia mas decidi exercitar mais o lado direito do meu cérebro. Encontrei-me na escrita. Sou uma filha única que perdeu a mãe e decidiu unir sua força e suas dores à de tantos que também vivem o luto.

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