Carequíssima

Foto: Arquivo pessoal

*Mara Souza

Lá pelos idos de 2014, enquanto passava por um tratamento oncológico, me peguei pensando nas palavras do queridíssimo Vinícius de Moraes, em seu poema “Receita de Mulher”, ecoando:

“As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.

Na verdade, acho que essa ideia me assombrou por muito tempo. Para mim, ser bonita sempre soou como uma imposição e eu, acreditando ser desprovida de alguns atributos, muitas vezes me sentia inadequada. Sim, inadequada. Quem nunca?

Triste isso… Triste eu ter vivido tanto tempo sem perceber que esse lance de beleza é relativo, subjetivo e que, no balaio do belo, cabem inúmeras variações. Cabe, por exemplo, cabelos de cores, texturas e tamanhos diferentes. E, graças a Deus, cabe a falta deles também.

Me dar conta disso foi essencial para me tornar “amiga” do espelho, para conseguir me encarar de frente, sem sentir vontade de sair correndo ao ver refletida nele a imagem de minha careca. Existe a teoria de que o câncer traz consigo alguns tipos de bônus (essa ideia não é minha, portanto, não me tomem por maluca). Mas, se há uma pontinha de verdade nisso, fui bonificada com uma espécie de autoaceitação. Só me restou agradecer!

Passei a me divertir com as possibilidades que a carequice me trouxe.

Amava brincar com os lenços, perucas e afins. Gostava de me sentir diva com os turbantes, assim como Carmem Miranda, Liz Taylor, Greta Garbo e até Brigitte Bardot. Tinha dias que estava pelo avesso e, ao invés de amarrar o lenço na cabeça, amarrava no pescoço e saía careca por aí. Essa espécie de “contradição lencística” era libertadora.

Mas como o paradoxal é normal e integrante da humanidade de cada um, tinha momentos em que me pegava saudosa, desejando ter meus cabelos de volta. Outras vezes me sentia irritada, incomodada com minhas olheiras. E, no pior dos dias, me enfurecia com o inchaço provocado pela quimioterapia e com os quilinhos a mais adquiridos em prol do fortalecimento da imunidade.

E assim fui vivendo, me transformando, mas, sobretudo, me aceitando e, cada vez mais, sentindo na pele a sabedoria de Caetano, ao afirmar “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Deliciei-me, então!


*@maradesouzaoficial é palestrante, escritora e metida a blogueirinha! Uma mulher que já ganhou cartão Platinum por tantas vezes que foi ao FUNDO DO POÇO, mas ressignificou sua vida e hoje se dedica a INSPIRAR outras mulheres!

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