Improdutividade materna

Luisa Benevides no blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Luisa Benevides

Nessa quarentena, tem dias em que o Tito fica com o pai. Em outros, as avós pegam o bastãozinho. Mas, na maioria das vezes, ele fica mesmo é comigo. Entre afazeres de casa e trabalhos mil, eu curto, brinco, rio. Aperto bastante, faço muita cosquinha, me lembro de um trecho de um poema que escrevi: “Te ponho no mundo pra que passe horas de um domingo na cama/ se dedicando à tarefa mais urgente de todas/ encher de cosquinhas quem você ama.”

Procuro trazer pedaços de domingo pra um período tão cheio de segundas.
Mas também me pego um tanto aflita. As notificações no Instagram, WhatsApp, Facebook vão crescendo, tenho tido mais tesão do que nunca no meu trabalho, mas meu filho me demanda muito também. E eu não quero ser a mãe de olho no celular o tempo todo. Às vezes consigo, às vezes não. Sofro do mal de achar que devia sempre estar fazendo alguma coisa; se não faço nada, é porque me esqueço de urgências (quem não?).

Ontem foi dia de ficar com o Tito, oscilar entre urgências e cosquinhas.

Alguns dias são mais fáceis; outros, mais difíceis. Ontem foi um dia fácil. Fomos pra rua, deixei ele me guiar. Paramos num vaso de planta, ficamos um tempão no universo contido nele. Tito viu três percevejos. Tive que decidir se eram bonzinhos ou malvados (simplesmente ser ainda não cabe na sua catalogação de mundo). Enquanto eu consultava meu guia zoológico interno, vi um percevejo fazendo xixi.

Tentei mostrar pro Tito, mas não deu tempo. Foram só duas gotinhas transparentes saindo de trás do seu casco. Fiquei pensando: quando eu, com 34 anos, veria um percevejo fazendo xixi em pleno Rio de Janeiro, em plena pandemia, se não fosse pegando carona nos olhos de uma criança? Aliás, alguém já viu um percevejo fazendo xixi?

Obrigada, filho, por me fazer tão improdutiva às vezes. Por demorar meus olhos na altura dos seus. Por desanuviar. Tenho tanta sorte que nem sei dizer.


*@luubenevides é psicóloga, mestra em filosofia e doutoranda em letras. É também autora do livro “azul de um minuto: poemas entre mãe e filho”, livro artesanal e independente escrito durante sua gravidez e puerpério. Atualmente, media oficinas de confecção de livros artesanais e também de escrita entre mulheres.

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