Te deixo ir
Há um ano e meio nos encontramos. Você me recebeu sorrindo, emocionado, e no lugar do “oi Si” você me abraçou dizendo:
— Te amo, Si!
Ficamos em casa e fizemos as mesmas coisas de sempre. Você trouxe o celular pedindo ajuda para configurar tudo de novo porque, mais uma vez, tinha mudado e esquecido as senhas. Comemos pastel, fiz massagem nos seus pés, tirei sua sobrancelha escutando você dizer “olha lá, hein? Você sabe fazer isso?”.
Assistimos aos mesmos filmes, você me explicou mais alguns pontos da Bíblia, planejamos os cursos que você faria, e falamos de opções de passeios para você e pra mãe – olhamos hotéis, fizemos cálculos e vimos as rotas de viagem. Você desceu no mercadinho e trouxe cones de doce de leite.
Encontramos as crianças e brincamos de Stop depois da pizza. Rimos das suas piadas e rimas. Dormimos com as portas dos quartos abertas; eu e mãe brigando com você, pedindo pra parar de comer bala toffee de maracujá porque poderia morrer engasgado.
Ninguém sabia que aquela era a última vez, mas mesmo assim – como fazíamos nos últimos anos, vivemos intensamente os momentos ao teu lado; nós nunca sabíamos quando tempo ainda tínhamos com tua lucidez.
Agora, consigo até agradecer cada tropeço seu. Ironicamente, foi graças a eles que passamos a viver assim com você, como se fôssemos um dia partir…
Ontem, o silêncio não incomodou, ao contrário, ele me acarinhou.
Senti a tua mão na minha. Ela ficou assim de mãos dadas comigo até eu dormir. Chorei, mas já vazia de tanta dor.
Doçura e ternura – nessas palavras me aqueci, e compreendi que de todos os caminhos possíveis, sem saber o certo, foi o do amor que todos nós trilhamos. Posso seguir, e agora também te deixo ir.
E que haja paz… e houve paz.
*Simone Barreiros Rosa mora em Curitiba. Professora, redatora, escritora e geminiana. É apaixonada por histórias reais e amante das infinitas possibilidades do ser humano. Regida por gêmeos com lua em aquário; é ar. Não vive com os pés no chão. Calada é impossível, exceto quando não sabe o que dizer…aí escreve. Está escrevendo seu primeiro livro que será publicado em 2020. Expõe seus contos e poemas nas redes sociais (@contosecant0s), onde também se arrisca a usar a sua voz em narrações. Participante do projeto Quarta conexão, uma proposta do cactoearosa (xilogravura) e Banda MAB (música alternativa brasileria) com objetivo de junção das artes e conexão de pessoas.