Aprendizados da quarentena sem tédio

*Ana Canedo

A “terra parou” na minha casa no dia 12 de março. O lembrete da reunião na escola, que seria neste dia – e não aconteceu – ficou na geladeira, como um recado do tempo, um marco do passar dos dias.

Nestes seis meses, foram tantos acontecimentos…

Costumo brincar que tem de tudo na minha quarentena, menos tédio. É mais uma constatação do que uma conquista. Na semana passada, estava me sentindo impaciente, cansada, saturada de tudo isso.

Antes, ficava envergonhada por me sentir assim, afinal, reconheço e agradeço privilégios e bênçãos: possibilidade de trabalhar em casa, ter conforto e boa comida, filhos estudando, ninguém doente na família… Mas estava aborrecida de verdade, o que agora aceito e me permito. Afinal, ninguém é de ferro.

Neste contexto e em um momento de “não-presença”, cortei feio o dedo, o que me levou a lugares aonde ninguém quer ir, especialmente agora: hospital, pra dar pontos, e posto de saúde, pra tomar antitetânica.

Enquanto esperava o atendimento, fiquei ali, só pensando na força dos recados do universo presentes naquela faca afiada.

Antes deste episódio, teve obra no apartamento de cima, que durou um mês; filho com dedo quebrado, que nos fez ir ao hospital umas cinco vezes; um escorpião (vivo!) que apareceu no meu banheiro; filho com inflamação nas costelas e sintomas bem assustadores; cano do prédio estourado, que alagou nossa cozinha e fez uma cachoeira no estacionamento… Enfim, acontecimentos do cotidiano, mas que, em meio a uma pandemia, parecem ter seus impactos amplificados.

E o que aprender com tudo isso? Sobretudo, como ter atenção aos sinais e sair de cada dia, de cada treta, com um novo olhar?

A necessidade de vivermos “sem muitas perspectivas” tem nos trazido, com maior intensidade, para o momento presente. E talvez este seja o maior aprendizado – da quarentena e do corte no dedo – a importância de estar aqui e agora, de fato; a riqueza e a beleza de viver o hoje, com a intensidade que ele merece. Pois, como disse o poeta sobre o amanhã: “se você parar pra pensar, na verdade não há…”


*@anacanedo é eclética em quase tudo, como uma geminiana ‘raiz’. Formiga com espírito de cigarra, adepta da filosofia ‘work hard’ ‘play hard’. Mas, mais do que isso, fortemente guiada pelo sentimento de que a vida é breve pra ser limitada. E assim, sigo sendo ‘muitas’ e buscando ser, cada vez mais, eu mesma. E hoje, sou muito muito grata por isso.

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