Sobre acordar sonhando

*Bruna Coutinho Silva

Um dia acordei sonhando. É um tipo de sensação que te faz flutuar pelos espaços por onde anda, nos quais seu olhar passeia como que vendo tudo pela primeira vez. Quase um andar parado. Alguma coisa de si mesmo vai antes de seus pés e tateia ao seu redor com peculiar sensibilidade, que se volta para o habitual e o estranha.

Acordar sonhando é mais intenso ainda que sonhar dormindo.

Parece que seus braços conseguem abraçar um quê do mundo e ver beleza nas pequenas coisas. Não há pesadelos, mas também não se trata de uma ilusão gratuita. Acredito que seja mais algo como uma falha nas matrizes que dominam nosso ser-aqui-acomodado.

É uma experimentação que não acontece todos os dias. Seu corpo precisa se alinhar a um estado de caos limiar entre ser desperto para o sofrimento que te circunda, e estar consciente de que nada pode te fazer mal. Curioso esse estado. Não há medo, mas você está atento.

Penso, enfim, que acordar dormindo é um recurso de escape momentâneo do domínio da autoflagelação, da percepção distorcida da realidade como “má”, nos aproximando mais de um modo de ser-com-a-vida.


*@bruna.couts  é poetisa e escritora amadora, que se encanta com a produção autoral e com a escrita como terapêutica. É psicóloga e doutoranda em Psicologia.

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