Serei obra inacabada até o fim

Taciana Collet no Blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Taciana Collet

Eu comecei o ano querendo muito ser algo. Insatisfeita com o que eu era. Ser jornalista já não mais me bastava. Saí em busca de novos títulos. Até arrisquei a me conceder o de escritora sem mesmo ter publicado um livro. Eu precisava ser. E ser algo diferente do que eu já era porque eu vinha incomodada com meu comodismo.

Com a ajuda da antroposofia, mergulhei na tarefa de me conhecer. Ser quem eu era me angustiava. Termino 2020 com a minha primeira participação em uma antologia. Meu nome impresso, junto a outros autores, em um livro. “Rotas de fuga”. Nomes não são dados ao acaso. Nenhuma outra expressão poderia definir melhor meu último ano. Procurei fugir de um vírus, de quem eu era e me encontrar em outro lugar. Planejei rotas de fuga. Eu só não poderia fugir de mim. Então fugi pra dentro.

Encerro o ano com o livro em mãos e com a descoberta de que o que menos importa nesta vida é o que eu sou.

Porque eu não sou nada nem ninguém e, ao ser nada e ninguém, posso fazer parte do todo. Então não importa o título que eu carregar, os livros que eu escrever, o sucesso que eu não tiver, a profissão que eu seguir. Vivo sendo. Sendo humana. Só realmente consigo ser quando desisto de querer ser algo.

A vaidade de deixar um legado, de ser reconhecida e conhecida mesmo depois da minha partida. A ilusão de ficar para a eternidade em páginas impressas, me esquecendo de que o eterno mora em mim. Encerro este atípico ano reconhecendo que o que vou deixar nesta terra é o que eu semear no coração das pessoas e, para isso, eu não preciso ser absolutamente nada. Eu posso espalhar essas sementes a qualquer tempo ou lugar onde estiver. Sem títulos. A coragem de não ser acalma minh’alma.

Entendi tudo errado (e tudo bem porque mais humano do que isso, impossível) e me satisfaço agora com meu não ser. O autoconhecimento me revela que não chegará um tempo em que estarei pronta. “Agora sim, eu posso ser.” Se algo descobri este ano, é que serei obra inacabada até o fim.


*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.

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