Não pode sorrir

*Renata Varandas

Quando começou a pandemia, eu achava bonito ouvir das pessoas que elas acreditavam que nós sairíamos melhores dessa. Pessoalmente, nunca acreditei, mas também não achava que esse ambiente pandêmico fosse se esticar por tanto tempo.

Imagino que seja exaustão o motivo da minha impaciência, mas além de pessimista, me tornei o que mais temia: um ser intolerante e ranzinza. Vejo pessoas sem máscara na rua e, imediatamente, começo a xingá-las mentalmente. E sim, em seguida me penitencio pelos meus pensamentos, mas é mais forte que eu.

Cheguei a um ponto que o sorriso tem me incomodado. Sim, eu sei, me tornei uma pessoa pior. Dia desses, estava no trabalho e vi um grupinho conversando animado, falando alto e com olhos sorridentes atrás daquelas máscaras. Fiquei de longe julgando um a um: “Estão rindo de quê? Tem mais de trezentas e vinte mil pessoas mortas. Não tem leito de UTI. Qual o motivo dos sorrisos?”

Não tenho me permitido sorrir e nem deixado os outros.

Como posso sorrir? Não tenho motivos. Ninguém tem. Ainda bem que minhas verdades absolutas caem por terra rapidamente e quase instantaneamente me envergonho delas.

Vejo a seguinte cena hoje: uma mãe, moradora de rua, com um filho, de uns dois aninhos, no semáforo. Naquele momento, ela não estava pedindo ajuda aos motoristas, brincava com o neném, ambos sentados em um papelão. Ela fazia cócegas nele e ele jogava com toda força aquele corpinho magro pra trás, enquanto ela o segurava e ria da risada dele, com a máscara meio caindo. Devo ter ficado naquele semáforo um, dois minutos, e, durante todo tempo, ri junto com eles.

O semáforo abriu e eu deixei de sorrir, mas eles continuaram lá, gargalhando. Do que riam mãe e filho? Onde aquela mulher achava forças para sorrir tendo que enfrentar tantas dificuldades?

Me envergonhei do meu não-sorriso, da minha ingratidão, da minha intolerância. Tantos ao redor, vivendo com quase nada e outros, lutando para sobreviver em uma UTI, e eu recriminando o sorriso? Definitivamente, não estou na minha plena consciência. Desculpem, amigos, vou melhorar, mas por enquanto estou me guardando pra quando o fim da pandemia chegar.


*@revarandas é jornalista e uma das organizadoras do Podcast Vida de Adulto.

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