Seis Estações

Laura Caldas escreve o texto Seis estações
Foto: Arquivo pessoal

*Laura Caldas

Houve uma vez um verão.

Comemoramos bem juntinhos a chegada do terremoto de certezas, dilatador de tempos, vendaval de rotinas, tsunami de regras estabelecidas que gritou que tudo pode ser quebrado.

Já houve também um tal carnaval, dançamos de corpos colados o ato de sermos humanos, juntos e misturados.

Minha solidez não sabia da doçura que consiste a ignorância de não saber aquilo que vai acontecer.

O outono que chegava, manso como sempre, estabeleceu-se violento como nunca, arrancou da escola as crianças, puxou os tapetes dos trabalhos, espalhou pelas calçadas a fome que a cidade disfarçava.

Preocupada com dinheiro sempre escutava “Seja grata”, então calada me consolava.

No casulo de um longo inverno me embriagava, glúten, noticiário, sirenes de ambulâncias que rasgavam a madrugada, fala engasgada, quase não percebi que me nasciam novas asas.

Na hora mais escura de uma noite sem lua notei, a jabuticaba não estava mais nua mas sim coberta de flor em chuva.

Que ano mais infeliz para se acontecer algo pela primeira vez.

Ela que floria, minha menina que adolescia, um ano sem ver a família, a primavera que não escondia a culpa que eu sentia dessa pandemia.

E então, de supetão, já era verão e o calendário empurrava a estranhas finalizações.

De onde se tira energia para acordar sempre nessa espécie de mesmo dia?

Dar um novo nome para o ano que virava já aliviava mas a vontade de acordar não foi capaz de despertar do pesadelo que ainda vingava.

Dentre tantas promessas, escrever todos os dias eu ainda cumpria.

Um papel, um lápis e o meu mundo isolado respirava.

Livrei palavras para correrem pelo corpo feito eletricidade, velozes feito arrepio, fortes feito batimento cardíaco, vivas feito o ar que sorvia, curativas feito terapia.

Como as formigas trabalho duro mesmo quando verão.

Já são seis estações.

Na ciranda do tempo floresci, desnudei, cresci, brotei, desabei.

Meu pé esfriou, notei, de repente outonei.


*@lauracaldas, do @lapistecladocoracao. “Escrevo com lirismo, poetizo com prosa, proseio com afeto. Escrevo para me procurar, mas se acaso te encontrar, me acho.”

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