Eu racional

Isadora Catem escreve o texto Eu racional
Foto: Arquivo pessoal

*Isadora Catem

Eu tenho vergonha de mim mesma? Sei que a frase parece absurda assim num primeiro momento, mas tenho refletido sobre isso. Outro dia escutei de uma amiga que pra aliviar a tensão na quarentena, ela gosta de dançar sem ritmo. Fiquei muito pensativa sobre isso porque amo dançar e se você me perguntasse o que mais sinto falta no isolamento, eu diria exatamente isso, sem tirar nem pôr: dançar.

Por que então, eu nunca havia pensado em dançar sozinha, na minha própria casa? Um desejo tão simples de ser realizado, que nem mesmo precisa de música. Você só precisa do seu corpo, um pouco de movimento e boa vontade. Por que então, eu havia me negado esse imenso prazer, aquele que declarei em tantas conversas sentir falta, quando ele poderia ser facilmente realizado?

A resposta veio de forma instantânea, quase como um soco no rosto: você tem vergonha. Vergonha de quê, afinal? Se eu moro sozinha e posso facilmente dançar sem ser vista?

O problema da vergonha é de outra natureza. Ela se encontra no fato de eu ser uma pessoa rígida, precisar de motivos, contextos, explicações, razões consistentes e completamente racionais em cada ato realizado.

Ser uma pessoa tão conscienciosa tem lá suas vantagens. Me fez ficar longe de muitas encrencas, fazer planos a longo prazo, medir consequências, ter um senso de responsabilidade. Mas também me impediu de ser capaz de realizar atos ridículos e imensamente agradáveis, como dançar sem ritmo na minha casa. Até mesmo agora a ideia de dançar sem motivo me parece absurda, como pode? Acho até que se fizesse não teria graça, sentido…

Concluo que (lá vem a razão me puxando de novo), tenho um longo caminho ainda pela frente até me permitir ter simples prazeres unicamente porque eu quero. Quem sabe um dia esse não será um motivo suficientemente argumentável pra me fazer dançar? Ou melhor ainda: colocar meus sentimentos novamente em primeiro lugar, como já foram um dia.


*@isadora_catem, formada em Relações Públicas e Jornalismo, levo narrativas de organizações e projetos através da comunicação para o mundo. Cocriadora da @intensitiva , um estúdio de escrita criativa.

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