Correntes em Murais

Poema Correntes em Murais, de Samuel Marinho
Foto: Arquivo pessoal

*Samuel Marinho

I.
há de ser vida
que se reserve ternura
pra hora da despedida

II.
há de ser brisa
que o vento revigore
nosso amor que agoniza

III.
há de ser ponte
que muros não se demorem
de el passo ao horizonte

IV.
há de ser belo
nem sempre tem no mundo
tudo tudo quanto quero

V.
há de ser livre
que o verso desarme
a mentira que se vive

VI.
há de ser leve
que o silêncio abrevie
essa idade que é breve

VII.
há de ser mudo
como o sangue derramado
na revolução de veludo

VIII.
há de ser sujo
que o poema não seja
mero subterfúgio

IX.
há de ser fome
pra que eu saiba que a carne ávida
o espírito consome

X.
há de ser sonho
olhos de esperança
deste livro tristonho

XI.
há de ser rápido
o sexo líquido
dissolve o que é mágico

XII.
há de ser morte
sobras da minha infância
jogadas à sorte

XIII.
há de ser súbita
que se conceda ao cadáver
o benefício da dúvida

XIV.
há de ser luto
verbo substantivo
que resiste ao tempo bruto

XV.
há de ter flores
plastificadas e pálidas
sobre o fim dos nossos amores

XVI.
há de vir lágrimas
que saudade só não basta
ao solo das américas

XVII.
há de ser tempestade
reviver o meu réquiem
pelos becos da cidade

XVIII.
há de ser turva
a dor que Deus chora
por meio da chuva

XIX.
há de ser treva
abismo inevitável
dessa vida que se leva

XX.
há de ser trova
sentimento que persiste
amor a toda prova

XXI.
há de ser calma
que não suspeitem de mim
da morte da alma

XXII.
há de ser nada
que o verbo reencarne no fim
palavra compartilhada


*@samukabel é um poeta brasileiro nascido em 1979 na cidade de São Luís, no Maranhão. Tem publicados pela Editora Penalux os livros “Poemas In Outdoors” (2018) e “Poemas de Última Geração” (2019), este último foi finalista do prêmio Jabuti 2020 na categoria poesia. O poema acima, Correntes em Murais, foi extraído do livro “Poemas de Última Geração”. Nele, o poeta usa de tercetos rimados para construir uma narrativa de esperança que inicia com a própria vida, passando pelas agruras da passagem do seu tempo, e termina na expectativa de perpetuação da existência por meio das palavras que podem ser compartilhadas.

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