Contemplando memórias

Nadja Bereicoa escreve sobre Memórias
Foto: Arquivo pessoal

*Nadja Bereicoa 

Contemplar, refletir, lembrar… Venho apreciando os instantes e os caminhos que percorri: os cumes, os vales, as depressões. Tudo – alegrias e tristezas, conquistas e perdas – contribuiu para as metamorfoses que fiz e realçou minha essência. A menina levada e a adolescente tímida se mesclam às mulheres que me tornei. Ao pensar e escrever sobre memórias, conecto passado e presente e entendo quem sou. 

Sempre me esqueço onde deixo os óculos de leitura, mas lembro com detalhes de passagens remotas, retalhos que costuro desenrolando novelos de palavras e sentimentos. Recentemente, narrei a tarde em que minha mãe me deixou no maternal e chorei até ela voltar. Depois escrevi sobre como sofri na juventude por me sentir fora de padrões: muito magra, alta, míope. Precisei de dor e tempo para me ver com amor. 

O sofrimento me levou de vez à escrita de memórias há seis anos, quando meu pai faleceu logo após eu ir morar noutro país.

Num luto sem corpo e funeral, ao iniciar uma nova vida me vi morrendo, estrangeira e órfã. Dois anos antes perdera minha mãe e a meia-idade chegava de fato. Para guardar meus pais vivos em mim, desenterrei ricos momentos e embarquei em voos de reencontro. Com eles e o que mais me marcou. 

Sob a sensação de finitude atual, eternizo emoções contraditórias e aprofundo trilhas e escavações. Planto memórias para o meu futuro e cuido das que se enraízam no meu presente. Resgato histórias familiares e ancestrais e sigo no processo de olhar dentro de mim. Enquanto dou sentido à minha existência, construo um afetivo legado escrito para os meus filhos. 

Minhas lembranças preenchem páginas como catarse ou busca mansa. Jorram em fluxos de pensamentos ou são talhadas, em escritos autobiográficos ou junto à fantasia de crônicas, poemas e contos. Origens, casamento, maternidade, envelhecimento… Escrever sobre vida me leva a pensar e pensar me faz escrever, num fértil ciclo em que aceito, ressignifico, cicatrizo, me autoconheço. Assim me conecto com a minha alma.


*Nadja Bereicoa, do @escritaemoutraconexao. “Todos os caminhos me levaram a escrever. Criança, inventava teatrinhos. Jovem, arriscava versos. Fui jornalista e advogada, mas desejava libertar as palavras. Hoje voo com a escrita criativa.”

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