Bom mesmo é ter pai bom

Renata Varandas escreve sobre como é ter um pai bom
Foto: Arquivo pessoal

*Renata Varandas

Quando era criança, passava o dia com minha mãe. Ficava a cargo dela aquelas coisas chatas que as mães mandam a gente fazer: dever de casa, se arrumar pra natação, tomar banho.

Bom mesmo era quando começava a escurecer. Era a hora do meu pai chegar. Eu sabia porque ele assobiava e também tinha um barulho de chaves inconfundível. Minha mãe saía de cena porque ia dar aula e eu ficava com o meu pai.

Bom mesmo era a gente lanchar juntos e assistir ao jornal. A gente comentava as matérias. Umas coisas eu não entendia, principalmente aquelas que tratavam do Sarney. Depois mudou para o Collor, mas o meu pai me explicava e aí eu entendia.

Bom mesmo era sexta-feira. Desconfio que foi ali que nasceu o “sextou” oficialmente. 

A gente comia linguicinha frita e assistia ao jornal e também a novela, porque na sexta eu podia dormir tarde. E a gente conversava sobre tudo.

Bom mesmo eram nossos papos. Eu dizia que quando crescesse, iria trabalhar muito, juntar dinheiro e comprar a lua. Meu pai dizia que não tinha necessidade, que lua era de graça, mas eu tinha medo de alguém comprar e privar eu e a humanidade de vermos a lua.

Também não gostava da ideia de alguém, que não fosse eu, pisar na lua. Vai que estraga, que amassa. Mas meu pai garantia que não existiam esses riscos e que o homem só foi à lua pra ver se era real mesmo, mas que ninguém ia ficar fazendo excursão pra lá. Bom mesmo era a impressionante influência que meu pai tinha na Nasa. Realmente, ninguém mais foi à lua e ela segue preservada.

Bom mesmo era como ele era rico, mas humilde. Qualquer lugar que tivesse “Varandas” no nome, era nosso. Um prédio chamava “Varandas não sei o quê”, era nosso. Um restaurante “Não sei o que Varandas”, também era nosso. A gente dominava o mercado imobiliário, sem ostentar.   

Bom mesmo é que hoje, ele aos 70 e eu com quase 40, as coisas não mudaram muito: ele continua gostando de linguicinha frita às sextas, a gente conversa sobre as notícias do jornal, permanece dono de muitos empreendimentos Varandas e acho que ainda dá uns pitacos na Nasa.

Mas melhor mesmo é poder pegar um carro e ir até ele e saber que ele está lá. Bom mesmo é ter esse privilégio. Bom mesmo é ser filha dele.


*@revarandas é jornalista e uma das organizadoras do Podcast Vida de Adulto.

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