Quando a coragem bate à porta
Sempre quis ser jornalista, fato. Prestei vários vestibulares, quase entrei, mas o quase não deixou. Vida seguiu e por acaso do destino, ou não, me tornei uma advogada.
Quase coloquei a OAB num quadro, foi um sofrimento tão grande conseguir aquele pedacinho de plástico com uma foto sem graça e números que dizem ser só meu. Fui reprovada duas vezes, ambas as vezes na segunda fase, por míseros pontos, era o quase de novo, insisti loucamente (trocadilho aqui com literalmente) e finalmente foi, aprovada com direito a pagar uma bela de uma anuidade em troca daquele pedacinho de plástico avermelhado.
Isso já faz um tempo, seis anos pra ser mais específica. Nunca usei o tal do plástico avermelhado, exceto como documento com foto, servia bem pra essa função, mas embora não usasse, continuava pagando uma alta anuidade, afinal, vai que, né…
Todo ano eu me contava a mesma história. Vai que eu cancelo e preciso advogar?
Chances? Sei lá, um acidente na família, um liquidificador que veio com defeito, um amigo que esqueceu de pagar a conta de luz e ficou no escuro, vai saber quando vai ser necessário ser uma advogada nessa vida não é mesmo?
Foram vários anos para entender que deixar no passado aquilo que não me cabe mais não diminui a importância do que vivi. Não ter mais o “poder” de advogar não apaga nada da minha história, só dá espaço para o novo desabrochar.
Dias atrás finalmente pedi o cancelamento, senti como se tivesse tirado muitos quilos das costas. Só então me dei conta do peso que era carregar aquilo que não me pertencia mais.
Correr atrás daquilo que a gente quer e ir até o fim, requer muita coragem. Deixar pra trás aquilo que não nos cabe mais, também.
*Ana Margonato, do @umcontocontadopormim, escritora de histórias que lhe atravessaram a vida e outras que achou por bem inventar. Poeta por pura teimosia e meio da existência aviventar. Escreve como quem respira e inspira como quem muito tem para escrever.