Desculpa a indiscrição, mas como você está?
Eu sei.
Por mais que antes da pandemia existissem invernos rigorosos, chuvas intensas, que levavam carros, casas e sonhos, por mais que a inflação aumentasse o preço do arroz de cada dia, ainda assim tínhamos a opção de mudar o menu sem perder a fome, e saborear a conversa boa que nos põe a mesa.
Eu sei. Ninguém aqui, por mais autoconhecedor de si, sabe responder como será a rotina, sem precisar esconder a cor do batom e o sorriso acuado, que vive livre embaixo das máscaras.
Tudo o que sabemos hoje é que vivemos sob as regras da natureza, que somos cíclicos como ela, que estamos no inverno e logo, muito em breve chegará a primavera. E que ela se enflore em nós, que nos ensine a sorrir em outros tons de cor e transparência.
Eu sei. Ninguém sabe o nome das possibilidades, boas e ruins, que foram fecundadas ao longo desse receoso período. E embora eu não saiba como o invisível tem destruído o nosso cultivo interno, eu sei que existe uma praga, e que ela circula em todos os jardins, ela enfraquece até as raízes mais fortes, e mata a verde esperança que foi plantada em nós.
O nome dela é o egoísmo.
Como você está?
Eu sei. Nem mesmo quem pergunta está bem.
Porque está todo mundo querendo responder primeiro tudo bem, mas, nas entrelinhas, quer dizer que o buraco aqui é mais embaixo.
Eu sei. Estamos alinhados que o mundo está ON.
E que é mais fácil falar com o Papa, que ouvir uma mensagem sem acelerar o áudio.
Eu sei. Pude provar outro dia, da beleza de uma semente brotar, era a chamada presença da voz, do outro, que deu linha e ouvidos para alguém se curar.
Eu sei. É trabalhoso adubar o solo e regar com coragem o piso de uma morada seca e baldia.
Eu sei. Falta naturalizar o medo, a dor, a culpa, o arrependimento, o fracasso, o não que vive se fazendo de sim.
Eu sei. Sei também dar desculpas floridas.
Sei correr quilômetros distraída sem sair do lugar.
Sinto que há vantagem em parar.
Em perceber-se no caminho, mesmo no meio, ou no quilômetro final.
Porque é nesse respirar, na pausa, que olhamos para onde estão os nossos pés, é que humanamente observamos que não estamos sozinhos.
*Essa sou eu! @andrea_v_lucena, carioca que vive em SP, jornalista, escritora e estudante de Psicologia. Casada com o Léo, mãe da Lara, do Arthur e de uma gata.