Bagagens da adolescência

Adolescência e pandemia
Foto: Depositphotos

*Nadja Bereicoa

As aulas e 2021 vão terminando. Ao ver minha filha e meu filho de novo carregando livros e desejos no ir e vir do colégio, me peguei pensando sobre o que viveram e deixaram de viver. Suas infâncias são cheias de histórias doces, mas as adolescências têm lacunas e toques do amargor desta época. O tempo arrumará em suas bagagens as memórias de ausências, ausências de memórias, memórias possíveis.

Momentos mais alegres acontecem nos seus passos de liberdade após a vacinação, como os recreios fora das marcas nos chãos das salas. Presente e futuro faiscavam em seus olhos acima das máscaras quando me contaram que voltaram a jogar totó e perambular pelos pátios com amigos. Recomeços.

Ela e ele viveram seus estirões emocionais e físicos no exílio de um ano e meio em casa, tendo por testemunhas somente eu e o pai. Longe de seus outros afetos e de festas e rituais de passagem. A menina que iniciava o Ensino Médio se focou em ler, estudar e escolher uma profissão. O menino caçador de Pokemon virou gamer e o mais alto da turma, dezoito centímetros depois.

Felizmente, meus filhos não sofreram com mortes próximas. Sei que o que perderam é ínfimo diante de seus privilégios e de perdas tão doídas, como sei que dores são únicas e podem doer mais tarde quando se é jovem. Sigo atenta a sinais em nossas conversas, esperando que mantenham a tranquilidade que já me fez supor que suas fichas não caíram.

O tempo voou nos dois anos que traduzem este século, mas tolheu as asas dos adolescentes.

Em vez de acontecimentos em grupos, isolados eles viveram sentimentos: saudade, tristeza, frustrações, aceitação, solitude… Agora, aos poucos, redescobrem formas de ser e de estar juntos. Seus passos precisam se alargar para que aprendam a voar.

Nunca me soou tão certo que filhos são do mundo. Pelo belo que ele é e porque creio que a juventude o desviará da rota para o fim. Quando olho os meus caminhando pelas ruas, sonho que logo desfrutem da sua diversidade. E que saibam se livrar de pesos desimportantes e injustos, para levar da vida apenas o que os fizer crescer.


*Nadja Bereicoa, do @escritaemoutraconexao. “Todos os caminhos me levaram a escrever. Criança, inventava teatrinhos. Jovem, arriscava versos. Fui jornalista e advogada, mas desejava libertar as palavras. Hoje voo com a escrita criativa.”

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