Me deixe te contar, filha
Querida Alice,
Me deixe te contar tudo o que aconteceu enquanto eu estava grávida de você, até essa segunda-feira – quando, após dois meses de gestação, você partiu.
Você veio de surpresa. Eu não planejava ser mãe. Ao saber da gravidez, fiquei em choque. Depois, fiz de você o bebê mais desejado do mundo.
Seu pai vibrou, porque é um homem bom e amoroso; seu tio e sua tia foram puro companheirismo e cuidado, e sua avó ficou tão feliz com sua chegada, que até esqueceu que estava doente.
Você teve muitas mães. Cada amiga que soube de você, te adotou como filha. Aquelas a quem não tive tempo de contar antes, também lamentarão sua perda como se fosse delas.
Sua avó me disse que a maternidade era o céu e o inferno juntos, sem meio termo. Verdade. O dia da ultrassonografia, quando ouvi seu coração batendo, foi o mais feliz da minha vida. A madrugada do sangramento que indicava sua partida foi o mais triste.
A semana passada foi difícil. Uma amiga morreu e várias coisas me preocupavam. Você ainda estaria comigo se eu ficasse mais calma? Me perdoe se meu estresse te afetou irreversivelmente. Ainda estou tentando me perdoar.
Na maternidade, enquanto eu me contorcia de dor e hemorragia, esperando a curetagem que levaria você de mim, ouvi o choro forte de um bebê que acabara de nascer. Foi a melhor definição de ironia do destino que já vi.
Eles insistiam em te chamar de “o embrião”. Como se eu não estivesse perdendo um bebê, mas um amontoado de células. Não sabem que filhos não nascem da barriga, mas do coração.
Ao voltar do centro cirúrgico sem você, fui tomada por um vazio imenso, como se um vento gelado me atravessasse de fora a fora.
Apesar disso, você não pode ser associada à tristeza, porque me preencheu de vida e alegria. Estou lutando bravamente para ressignificar sua passagem.
Uma amiga me disse que fui o vaso que a vida escolheu para que a breve rosa que foi você pudesse desabrochar. Achei bonito. Fez mais sentido. Obrigada por florescer em mim. A dor nunca será maior que a gratidão.
Com amor, sua mãe.
*@fabriciahamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.
Fabrícia, não nos conhecemos mas eu amo seus textos. Eu já perdi um filho de 5 anos e também já tive um aborto espontâneo como você. Pessoas como você merecem ter filhos. Tenha filhos, eles são nosso maior legado pra este mundo tão sombrio. Assim como meus filhos, Alice também cumpriu seu propósito. Acalma seu coração. Ele continua sendo bom, Ele continua sendo Deus.
O que dizer diante de um texto tão lindo, tão comovente e também tão triste. Sinto muito, teria sido uma agradável surpresa pra mim! Um beijo