A escrita curativa
Ninguém tira foto em enterro. Não temos o costume de registrar o fim. Eu não fotografei, mas um dos momentos mais significativos que vivi foi a última despedida da vó Lolinha. Ela pediu para ser cremada porque queria voar. Cada um da família segurou nas mãos um pouquinho do corpo dela transformado em cinzas e, juntos, jogamos para o vento levar. Minha vó voou à beira do lago de um dos parques mais bonitos de Goiânia.
As redes sociais fazem bem o papel de propagar a felicidade. Os álbuns passaram a ser virtuais, em tempo real e compartilhados com todos ao mesmo tempo. Mas, ao olhar só pela timeline, posso cair na armadilha de achar que a vida dos outros é só alegria, menos a minha.
Não há espaço social para uma parte importante da memória, que fica nos porões e não se fala mais nisso. Aqui a gente fala. Fala não. A gente escreve. Escrita curativa. Não há constrangimento na ostentação da felicidade. Por que haveria na exposição da tristeza?
A maioria dos textos publicados no ‘Vida de adulto’ aborda questões quase proibidas nas rodas de conversa. A não ser para falar do outro. Muitas vezes em tom de fofoca. Mas na primeira pessoa ninguém assume.
Eu perdi tudo.
Perdi quem mais amava.
Amei quem nunca cheguei a ver vivo.
Eu não me amo.
Rejeito meus pais.
Fui demitido.
Sofro porque estou envelhecendo.
Quero escapar do meu casamento.
Sofri um relacionamento abusivo
O ‘Vida de adulto’ nasceu pra falar sobre vida. Mas o que é a vida?
Já recebemos textos de pessoas que nunca tinham falado a respeito de suas perdas, nem para o amigo mais próximo. Ao receber um texto, já li do autor: “Se não quiserem publicar, não precisa. Só de sair de dentro de mim, já cumpriu seu propósito.”
No Natal passado, quase um ano depois da morte da minha vó, voltamos ao mesmo parque onde ela voou. Desta vez, carregados de balões coloridos para um piquenique em homenagem aos que já partiram. Os balões subiram aos céus. A dor virou cor. Desta vez, registrei. São as imagens publicadas aqui. Atrás de muitas fotos de felicidade explícita, há muito mais história do que a gente possa imaginar.