Virar a página pode curar uma vida
Gritos. Medo. Choro. Polícia. Enquanto minha família se distanciava cada vez mais daquelas dos comerciais de margarina, “O menino no espelho”, de Fernando Sabino, me lembrava que eu era criança e me conduzia a um mundo de aventuras e lirismo, que tornava o caos menos ameaçador.
Vício. Vergonha. Internações. Recaídas. Enquanto quem deveria cuidar de mim não conseguia cuidar de si próprio, “Olhai os Lírios do Campo”, de Érico Veríssimo, me ensinava que também se ama o imperfeito, e que a tolerância e a humanidade podem surtir efeitos grandiosos onde menos esperamos.
Frio. Solidão. Distância. Falta de pertencimento. Enquanto minha vida parecia congelada durante um mestrado do outro lado do mundo, “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, me reconectava com meu próprio continente, contando uma história de exploração que eu pensara conhecer, mas que desconhecia completamente.
Ausência. Inconformismo. Anorexia. Enquanto a única resposta que eu conseguia dar ao sofrimento era fazer meu corpo desaparecer, “Grande sertão veredas”, de Guimarães Rosa, me ajudava a voltar a preencher minha alma de beleza e amor, e aceitar que viver é perigoso demais e que o que a vida quer da gente é coragem.
Aborto espontâneo. Vazio. Tristeza. Luto. Enquanto a filha que gerei, mas não pude trazer ao mundo, ainda doía nas profundezas do meu ventre, “Paula”, de Isabel Allende, me mostrava que algumas dores nunca desaparecem, mas podem ser ressignificadas e nos ajudar a sobreviver à falta de esperança.
Machismo. Preconceito. Hipocrisia. Enquanto as notícias dos rumos do meu país me faziam perder a fé em dias melhores, “Hibisco roxo”, de Chimamanda Ngozi Adichie, me lembrava que a luta contra a opressão às mulheres é permanente, e que em meio à resistência sempre existirá poesia.
Eu não saberia dizer quantas vezes fui salva por um livro, quantas vezes as páginas de outra história me ajudaram a reconstruir minha própria história. Só quem já foi resgatado pela leitura seria capaz de me entender. Se você não foi, permita-se. Virar a página pode curar uma vida.
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