À deriva
*Laura Lisboa
Te peço: não ponha a culpa em mim por nosso barco ter naufragado. Agora já aprendi a nadar e também não embarco sem colete salva-vidas. Não carrego mais culpa que não é minha.
Lembra do primeiro texto que te escrevi e você disse que iria guardá-lo pra sempre? Nele, eu pedia que cuidasse de nós, do nosso mundo, do nosso barquinho à vela. Parecia premonição. Nosso Titanic afundou.
Não me culpe por não me querer porque não te culpo. Você foi marinheiro habilidoso ao atracar esse barco antes que afundasse.
Enlouqueci, mas o tempo passou e a tempestade também. Hoje, já consigo avistar um horizonte: melhor barco encalhado na margem que afundado em alto mar.
É preciso ter responsabilidade afetiva com o próximo e você teve comigo. Não me deixou afogar nas minhas próprias expectativas.
Confesso que apostei demais na nossa navegação. Nada que não sirva de aprendizado e que o tempo não cure.
São dez meses já. Será que já teria dado tempo de dar a volta ao mundo de barco? Não sei. O que sei é que nestes dez meses, não houve um dia sequer que não pensei em você.
Tentei mudar minha rota. Troquei o destino. Mudei de embarcação. Não adianta. Sigo buscando o seu farol.
Tem quatro dias que a gente não se fala. Nunca ficamos tanto tempo longe. Estratégia para ver se você sentia a minha falta. Claramente, meu plano de naval deu errado.
Sei que navegar é preciso, mas viver sem você não é preciso. E tem sido muito difícil.
*Laura Lisboa é o pseudônimo de quem que só aceita escrever se estiver nos bastidores. “Em tempos de vigilância total, a maior liberdade é não ser vista”.