Um pedaço de nós
Sexta-feira. Marido na capital a trabalho o dia todo. Mulher na cidade pequena à espera dele. Mas não só a esperar. Tem diferença. Ela espera porque quer, porque é bom sentir saudade e vontade. Uma sensação de arrebatamento toma conta dela, eles fizeram um plano de vida e estão executando. Arrisca dizer que são felizes.
Ao mudar para o interior, sabia que as coisas seriam menos superficiais, mas não menos complicadas. É tudo igual, diz. Só que mais rápido porque não tem trânsito. Ou mais devagar porque não tem trânsito. Depende da semântica. No trabalho que ela realiza como outra mulher qualquer, ela sente que estaria escrevendo sobre como seria viver no interior, mesmo se não tivesse ido se aventurar. Então, parece ter cumprido seu destino, simples como sempre sonhou, embora não soubesse disso.
Agora permite ser o que é de verdade e busca a essência das relações e das coisas. A nova perspectiva trouxe árvores no quintal, piso datado na casa antiga, paredes mal pintadas. Mas está ali por escolha, para plantar tomates e tomar suco de frutas do pé. Não quer voltar ao que era. Sua relação com o dinheiro também mudou e o coração está leve que vou te falar…
À tarde, chuva forte, e aquele barulho e a força da água esburacando a grama bem em frente à porta de entrada da casa, tratou de resolver suas pendências emocionais. Ela não se preocupou em mudar nada. A chuva resolveu suas culpas. Acalmou alter egos nem sempre amigáveis. Ensinou que não se pode controlar tudo, nem o buraco feio no meio do jardim.
Ela faria tudo de novo, mudaria de novo se fosse pra ser desse jeito. Dar ao homem a retaguarda que ele precisa pra voar enquanto o observa, e às crianças, sua companhia. É o que escolheu para si. Ao sair da cidade grande com a família, ela não sabia ao certo se foi corajosa deixando o que a afligia, ou se covarde ao não enfrentar o que a perturbava. Não se pergunta as razões, continua na ativa, seja onde for.
Envolver-se é o que ela faz de melhor e lá está ela, envolvida de novo. São novos amigos, nomes e endereços que ainda não decorou. Sem saber o que a aguardava, a mulher descobriu que envelhecer não é tão ruim assim. Pelo mesmo na cidadezinha que elegeu sua.
*Meu nome é Natascha Duarte, 49, sou formada em Fonoaudiologia pela PUC Goiás e em Relações Públicas pela UFG. Casada com Silvio Quirino, fotógrafo publicitário. Temos uma agência de produção de áudio visual e de estratégias políticas e de varejo. E dois filhos, Miguel de 13 anos e Benício de 8. Sou mãe em tempo integral e minha paixão é escrever. Tenho o blog Natascha Duarte – Livre pensar onde compartilho meu livre pensar e alguma inspiração literária. Mudamos para uma cidadezinha nos arredores de Goiânia, Goiás, há um ano.