Então 40…
O que manter e o que descartar? Eis a pergunta que me faz pensar.
Sei que a minha memória já não é tão fiel aos detalhes, mas ainda posso sentir o aroma do amendoim torrado vindo da cozinha, na véspera da Sexta-feira Santa. Ele vem da canjica da minha querida vovó Olga, ela que não possuía grandes dotes culinários, mas marcou a minha infância com esse cheiro e único sabor.
Percebo hoje, uma década depois de sua partida, que nunca mais comi canjica, talvez seja a forma que encontrei de manter a sua doçura em mim, e jamais substituir o que era somente seu, esse aconchego em forma de cheiro de açúcar.
Nesses 40, tomei a decisão de voltar à minha infância e reviver sentimentos jamais ditos antes.
Olhei no fundo dos olhos da menina que fui um dia, com profundidade e verdade e disse a ela:
– Não sinta pena do que você não viveu, mas se permita sentir a dor do abandono. Ela, a dor, existe e faz parte da sua memória. Querer descarta-lá, logo agora, seria desperdiçar a sua própria história.
Essa menina ainda sou eu, buscando os recursos dos 40 para não comparar o amor. Ah e por falar em amor, ele chegou transbordando na casa dos 30 e ganhou força, coragem, gratidão, conexão, encontro, um verdadeiro sentimento de paz.
E se você aí está imaginando que esses sentimentos deliciosos chegaram com a maternidade talvez seja porque você saiba o que é a minha visão do amor. Sim, você acertou a maternidade me incendiou.
Já são quase quatro décadas, e viajar nessas fases me fizeram parar no tempo.
No tempo em que eu não sabia a diferença entre ir ou ficar. E lá fui eu com os meus vinte e poucos, destemida a experimentar o que Londres teria pra me dar. Seria essa uma história boa para manter ou ficar?
Volto a viajar, mas agora sem muitas escalas. Evito os caminhos que não me trazem conforto e paz. Esses dias observando o tamanho da minha mala, compreendi o que esse ir e vir no tempo, dos 40, quer me contar – o essencial anda comigo, de mãos dadas, eu não preciso despachar. Nem tão pouco decidir se devo manter ou descartar.
*Essa sou eu! @dea_lucena, 40 anos. Carioca, formada em Jornalismo, estudante de Psicologia, casada com Léo e mãe da Lara e do Arthur. Escritora do @felicidadesobcontrole.