246 dias de confinamento
Oito meses. 246 dias. Coincidência ou não, 246 é, também, o número da casa onde estou vivendo desde o dia 10 de março, em confinamento. Quando o anúncio de que viveríamos uma pandemia foi feito, minha primeira atitude foi correr no oráculo Google e tentar entender, de fato, o que era uma pandemia, como agir, o tempo que duraria e como tudo isso acabaria. Só tive resposta para a primeira questão. O resto foi surpresa. Terror e tristeza. A cada dia. Mas houve descoberta também. Houve crescimento.
Durante os 246 dias passei por muitos altos e baixos.
E limbos, que é quando a gente não se sente neste mundo e nem em qualquer outro, como se vivêssemos numa realidade paralela temporária. Só que esse tempo vai se alongando… E eu contei azulejos e revestimentos e pisos. Contei estrelas. Vi o sol se pôr. Vi as nuvens passarem rápido. Passei dias com sol demais. Passei dias sem sol. E vi a vida ir passando e eu sendo empurrado por ela. Muitas vezes atropelado. Ainda estou.
Aprendi demais. Acho que ensinei também. Conheci pessoas. Desconheci outras. Reconheci-me em muitas. Falei. Gritei. Me calei. Tudo a seu tempo. Me afinei. Vivi perdas, ganhos e mudanças. Perdi amigos. Ganhei outros. Perdi bagagem que não precisava. Deixei muita coisa pelo caminho e não vou voltar para recolher. Deixei com que o tempo se desfaça delas. Abracei outras que estavam ao meu lado e queria deixar para a próxima viagem. Por falar em viagens, elas não aconteceram. Chorei muito. Sorri também. Me desalinhei. Me equilibrei. Sonhei demais. E as sementes plantadas me ensinaram que a paciência é sempre a maior esperança. Tem que acreditar.
Depois de 246 dias é como se eu tivesse prestes a sair de um casulo apertado, ainda sem saber, ao certo, quando. E ainda sem saber como agir.
Vou tateando com cuidado. Olhando pros lados como se me acovardasse ou me cuidasse em excesso. E creio que será assim por algum tempo. Mas quando coloco os olhos pra fora da toca sei, claramente, que as coisas mudaram, que os olhos falam mais que a boca. Que os gestos valem mais que gritos. E que, definitivamente, não sou mais o mesmo. E, por isso, o pôr-do-sol de cada dia tem outras cores.
Sigamos, pois…
*@rimene é jornalista, fotógrafo e o acervo completo de sua exposição virtual “Olhar de um confinado” pode ser conferido por meio do site olhar-de-um-confinado.webnode.com