Um pouco de bom humor nesses tempos duros

*Liege Albuquerque

Estava com os cabelos logo abaixo das orelhas, um long bob, antes da pandemia. Há uma semana, com eles passando dos ombros, sem salão há um ano, cortei bem curto sozinha. Eu mesma pinto de vez em quando a raiz, tenho poucos brancos, e as luzes que fiz há mais de um ano viraram ombré. Está todo torto atrás, minha filha não topou tentar cortar onde não alcanço, mas assim que tiver coragem de ir ao salão, ponho a N95 e vou consertar.

Eu adoro mudar de cor e de corte de cabelo. Nunca entendi quem tem medo até porque é verdade: cabelo cresce. Mas entendo menos ainda que, em pleno século 21, girl power, possa receber uma mensagem de uma amiga casada assim: “Como você é corajosa. Meu sonho é ter cabelo curto, mas se fizer isso meu marido me deixa.”

Coragem? Não, coragem é sair de casa aos 21 anos para morar em Sampa sozinha para fazer mestrado.

Cortar o cabelo curto é vontade e pronto. Isso pra mim, que já morei junto duas vezes, mas em nenhuma das vezes perguntei “o que você acha” do parceiro sobre uma decisão sobre minha aparência ou da roupa que decido sair.

Talvez seja por isso que esteja single, por causa dessa mania natural de decidir tudo sozinha. Mas claro que gosto de namorar e tem instantes que me sinto solitária. Só que, estranhamente, mesmo estando sem namorado desde pouco antes da pandemia, vou confessar o que certamente muita gente tem medo de falar em público: não estou sentindo falta de namorado nesse período de pandemia. Sinto falta mesmo é de ir à praia.

Mas vejam só, lá se foi um ano, onde você (que acredita no poder mutante desse vírus assassino) não pôde sair para bater papo num bar, dançar, zanzar na livraria ou ir em blind date. E, mesmo que não me impusesse este lockdown, me digam como começar um relacionamento de máscara? Beija na boca como? Nunca tive medo de beijar no carnaval e nunca peguei sapinho, mas agora para beijar alguém só com vacina para todos. Tá vendo como nem sou tão corajosa assim?


*@liegealbuquerque escolhe uma frase de Clarice para traduzi-la: “Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade depois de muito trabalho”. Carrega uma tranquilidade atípica a uma taurina com ascendente em áries. Não quer provar nada para ninguém. Apaixonada pela filha, pelos gatos, catioro, família e amigos, por beijo na boca, por um bom debate de ideias, por chocolate e sorvete, uma ida ao cinema e torrar na praia lendo um bom livro. Simples assim.

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