Uma dívida de amor
Talvez a conta não feche nesta vida. A contabilidade da nossa relação ficou muito tempo no negativo. Amor em débito, afeto no vermelho. Sou devedora do amor da minha mãe. A conta não fecha porque levei décadas para entender como ela conseguia demonstrar seu amor. Não me sentia amada e não amava de verdade.
Minha dívida começa já no primeiro ato de amor da minha mãe comigo – ela me trouxe para o mundo. Só por esse fato já nasci devedora. Sim, eu pedi para nascer. Queria viver essa vida, queria ter meus pais como pais. Essa dúvida eu não carrego mais, carrego, sim, um dívida de amor.
Minha mãe e eu somos muito parecidas e a cada dia ficamos mais iguais. Por sermos tão semelhantes, às vezes não gostamos do que enxergamos quando nos vemos espelhadas nas nossas sombras. Minha mãe e eu somos uma peça, Paulo Gustavo, e você nos ajudou a rir de nós mesmas.
O humor derrete gelo e acaba ajudando a jogar luz nesse palco da vida. E, quando a luz bate, surge em mim uma vontade urgente de amar. Amor com amor se paga e eu venho antecipando prestações em atraso. Talvez isso explique porque nas duas férias de 15 dias que tirei este ano escolhi passar no lugar mais aquecido desta pandemia: a casa de mãe.
Isoladas pelo isolamento, me deixei ser acolhida e amada.
Amei. Nas duas vezes, me comportei como se fosse a última. Fizemos tudo de ordinário, mas com boas parcelas de amor em atraso. Porque tratei como se fosse a última, aprendi a enrolar biscoito de queijo, assisti a novela das 9 de mãos dadas com ela, investiguei a árvore genealógica da família e tomamos chá da tarde na melhor louça do enxoval nunca usado da minha mãe.
Quando fui embora, ela me ligou agradecendo e disse que tinha sentido uma paz de espírito quando estávamos juntas. Eu também, mãe. Venho descobrindo que amor de mãe não impõe condições de pagamento, a dívida não é cobrada e muitas vezes nem se espera mais para receber. Venho pagando com amor de filha não por obrigação. Não sou obrigada, mas o amor flui quando sinto verdadeiramente o que é gratidão.
Te amo, mãe, e hoje amar carrega um outro significado pra mim.
*@tacianacollet é jornalista e uma das fundadoras do Vida de Adulto.