Escrevo-te porque não me entendo
Eu te quis ler rápido, Clarice
devorar-te
num respiro só
mas tu não és leitura ligeira
e proibiste-me.
Levaste-me ao sono cor-tan-do as palavras
fui len-do, pis-cando e pes-cando
len pis can pes can
até não pescar mais
venceste-me.
Caí naquele sono que não se sabe sono ou vida revivida
o improvável calculado prosseguiu
com os olhos cerrados
continuei te lendo em sonho
e sinto que era isso que querias.
Ousei te completar, Clarice
involuntário desejo não controlado
de abrir parênteses
responder interrogações
pôr ponto final nas reticências.
No meu sonho devaneio
não sabia mais o que era meu,
o que era teu
nos misturamos sem autoria
feito água viva em alto-mar.
E tudo fez sentido
como se fosse escrito para mim ou por mim
sem direito a ler de novo
acordo sem memória de como te continuei
improviso.
Permaneço em graça,
estado que alcanço com as palavras bentas no sono
elas querem me escapar
ir atrás do secreto que mora atrás do pensamento.
Escrevo-te porque não me entendo, Clarice.
Escrevi a carta-poesia para Clarice Lispector depois de ler “Água Viva”, um dos últimos livros dela. A leitura me levou até as estrelas, para pertinho de onde ela está e me deixou em estado de graça. Foi a forma que encontrei para agradecer tudo que Clarice me revela.
A carta-poesia está no livro “Mulheres Imortais”, antologia poética recém-publicada pela Selo Editorial Independente. Agradeço às organizadoras da antologia @brendarodrigues_oficial e @escritorabahiense pela oportunidade que me deram de imortalizar meu amor por Clarice. Parabenizo as 28 autoras que participaram da antologia comigo e escolheram outras inspiradoras mulheres para poetizar.
*@tacianacollet é jornalista e uma das fundadoras do Vida de Adulto.