Não aprendi a perder

Foto: Pixabay

* Núbia Martins

Saí de casa cedo, para estudar na cidade grande. Perdi o quartinho pequeno, de telhado aparente, onde dormia ouvindo o barulho da chuva com o cheiro da telha molhada. Perdi o aconchego dos pais, as brigas com o irmão, o cuidado dos avós.

Não aprendi a perder e, com isso, sofri. Em terras estranhas não criei vínculos profundos. Era um ritual de passagem: estava ali para descobrir, crescer… e voltar. Não aprendi a perder. E perdi. Assim que voltei, perdi um tio, o melhor amigo, um quase pai. Depois outro, e outra tia, e dois anos depois, o terceiro. A minha família materna estava indo embora.

Me casei, tive um filho lindo, e quando tudo parecia se reequilibrar, veio a maior das dores: a perda da minha mãe, em 30 dias, para um câncer agressivo. E segui sem aprender a perder os que amo. Segurei o choro, me enfiei no trabalho, viajei muito. Mas dentro de mim sentia culpa. Dois anos depois da morte dela, o baque real. Minha força estava se esvaindo.

Amanhecia, olhava pro meu filho, então com 12 anos, e pensava: como ele vai ficar sem mim? Perdi a coragem de ir ao médico – pelo medo de me descobri doente – e morrer. Não tinha mais prazer nas coisas que antes eu gostava. Saí de todas as redes sociais. O medo da morte me paralisou.

E aí conheci a depressão. Num momento de grande desespero, fui à Igreja e pedi ao Espírito Santo de Deus para me tirar daquele estado.

Ali estava eu, sozinha, de joelhos, numa súplica desesperada. Surgiu uma força (que não era minha) e fui ao psiquiatra, depois ao psicólogo. Tomei remédios, mantive a fé e consegui me reequilibrar. Hoje sei que o tratamento e a terapia são para a vida inteira. Confrontar com a finitude é muito cruel.

Não digo que estou preparada para perder. Continuo aquela que sente muito. Sei que sempre vai doer. Haverá partidas e chegadas. Ainda sinto falta do barulho da chuva no telhado da casa simples dos meus pais. Mas hoje tenho consciência de que é possível perder, aceitar a dor, entendê-la e seguir, ganhando novo chão e novo céu.

*Núbia Martins é advogada, jornalista por formação, adora viajar e procura viver cada instante como se fosse o último

 

 

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