O paraíso são os outros
“Mamãe, são para você!”, diz a menina com a mão cheia de flores de ipê rosa, recolhidas com cuidado na grama do parque. A mãe coloca algumas no cabelo e pergunta: “Como fiquei?”. “Linda! Você é linda!”, vibra a garotinha de uns cinco anos. Então as duas se levantam e vão embora, de mãos dadas, sorrindo e brincando com as flores.
De cara feia, uma mulher que também assistira à cena se vira para mim e diz: “Essa criança só pode ser cega. A mãe não é linda. Eu teria vergonha de sair na rua assim, usando um short dois números menor que o meu, mostrando um monte de celulites e estrias”. Discordei, pois achei a moça bonita. Espantada, ela sentenciou: “Você também é cega!”.
Não enxergo bem? Sou distraída? Creio que não. Se havia gordura, celulites ou estrias nem reparei. O que realmente me chamou a atenção foi aquela pele negra e brilhante ao sol, contrastando com a cor rosa do ipê, emoldurada por muitos cachos, um sorriso largo e a leveza de quem se sente bem no próprio corpo. Tão bem, que emanava a mesma vibração para a filha.
Me lembrei, então, do livro “O paraíso são os outros”, de Valter Hugo Mãe, que mostra como uma menininha enxerga o mundo e as relações, com sua percepção sagaz e delicada. Ela constata que “ser feio é complexo e pode ser apenas um problema de quem observa”. Conclusão: a beleza existe em todo lugar, nós é que não sabemos encontrá-la.
Quando deixamos de ver o outro como alguém obrigado a seguir padrões, como um ser livre para exercer sua unicidade de traços, cores, formas e estilos, então ele deixa de ser um inferno de comparações, para se tornar o paraíso que nos liberta e também nos dá permissão para sermos lindamente únicos, como quisermos e pudermos.
A garota do começo do texto não é cega. Nascemos enxergando com clareza o essencial e, aos poucos, vamos distorcendo nossa visão com preconceitos e padrões aprendidos. Quando o outro, tão singular e autêntico se aproxima, ele nos dá a oportunidade de voltar a ver de verdade – agora não mais como os olhos, porque como já disseram antes, “só se vê bem com o coração.”