Pipoca fraternal

Foto: Arquivo pessoal

*Nathalie Régis

Em um sábado nublado, há uns oito anos, recebi a notícia de que mamãe estava se sentindo mal. Ela era fumante, obesa e sedentária. O quadro era de dupla embolia pulmonar. O meu, de infinita preocupação. Ela tinha apenas 57 anos, seis filhos jovens, entre candangos e paraibanos.

A UTI era nossa esperança, mas não havia leitos disponíveis. Eu e meus irmãos nos revezávamos, na enfermaria, enquanto não conseguíamos transferi-la. Foi um dia inteiro de dor no peito pela angústia de não saber e talvez de nem querer saber.

Nessa época, não tanto quanto a minha mãe, mas eu também fumava. Intimidada com os 10% de chances de sobrevivência dela, pedi uma pausa para chorar e acender um cigarro fora da branquidão e do silêncio hospitalares.

Tudo indicava que minha mãe iria nos deixar de vez. Enquanto os pensamentos desastrosos evoluíam, percebi ao meu lado um homem vendendo pipocas. Desandamos a papear simplicidades. A existência, a vida e a morte, antes aparentemente tão complexas, diminuíram ao nível do “big-bang” do milho miúdo.

Seu Léo era senhor de meia-idade, olhos azuis e semblante leve. Descobrimos que tínhamos nascido no mesmo Estado. Contei-lhe que fui criada em Brasília, mas que sentia falta do mar e da alegria das pessoas da Paraíba. Foi aí que meu mais novo amigo me pediu para tomar conta do carrinho de pipocas, enquanto ele iria ao mercado próximo. Aceitei.

Na gestão voluntária do seu pequeno negócio, que se estendeu por quase hora, atendi gente, servi e expliquei a razão de estar ali. Enfim, distraída pela séria e lúdica atribuição, fiquei ali, encantada com os saltitos dos grãos brancos e com as mãos espalmadas de idosos, adultos e crianças felizes recebendo seus saquinhos repletos de sabores, seus passaportes de volta à infância, ao circo, à porta das escolas.

Não, não virei pipoqueira, mas, estando minha mãe, a Dona Telma, atualmente estável e reaprendendo a viver, ainda vejo ali na esquina das minhas atribulações a figura do Seu Léo e sua pipoca espiritual e fraternal, que os anjos sempre nos oferecem, na expectativa de que, ao ver tanta vida explodindo de plenitude, saibamos saborear nossa porção, dividir e pedir mais.

*Já fui muitas Naths, em cada uma delas, minhas escolhas. Casada há vinte e nove anos, tenho três filhos: dois biológicos e uma do coração. Sou servidora pública federal, blogueira em formação e o melhor que posso ser, hoje…

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